São Paulo, Sexta-feira, 22 de Outubro de 1999
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LUÍS NASSIF

Monetarista de uma nota só

Confesso não ter assistido ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, na entrevista em que teria sugerido a elevação dos juros para combater a inflação e presumivelmente ironizado as políticas cambial e monetária de seus sucessores.
De qualquer modo, é bom motivo para alguns exercícios de relação de causa-efeito, ultimamente bastante ignorados na análise econômica "fast food".
1) Os dois principais fatores de aumento de custos das empresas (que agora ameaçam ser repassados para preços) são o câmbio e o arrocho fiscal e tarifário empreendidos pelo governo este ano.
2) Os arrochos fiscal e tarifário se devem à meta firmada com o FMI, que não saiu do nada: foi fixada tendo em vista a estabilização da relação dívida pública versus PIB. Se a dívida pública fosse menor, o arrocho fiscal seria menor e seus efeitos deletérios, minimizados. Logo, o que condicionou a necessidade desse superávit fiscal foi o aumento desproporcional na dívida pública ocorrido nos últimos anos -por culpa da política de juros praticada pelos senhores Gustavo Franco, Francisco Lopes, Gustavo Loyola, entre tantos outros.
3) Há algumas maneiras de tentar evitar a elevação do câmbio. Suponhamos que o BC aceitasse os conselhos de Franco e subisse os juros. Obviamente, a dívida pública voltaria a entrar em curva de crescimento, trazendo a necessidade de superávit fiscal ainda maior e ampliando as desconfianças dos investidores. Recorde-se de que Franco e Lopes conseguiram arrebentar com as contas externas do país praticando as mais elevadas taxas de juro do mundo.
4) Com poucos limites para cortes de despesa, para aumentar juros sem esfrangalhar as contas fiscais, o governo teria que proceder a novos aumentos de impostos, com mais impacto sobre os custos das empresas e sobre o nível de atividade. O país está fazendo das tripas coração para manter estável a dívida pública, deixada por Franco, nos níveis atuais de juros. Como julgar que há espaço para mais aumento de juros, mais aumento da dívida e mais arrecadação fiscal? Qual a fórmula proposta por ele para aumentar os juros sem aumentar a dívida? Não vale propor aumento de juros sem apontar as contra-indicações. Nem vale responder que problema fiscal é com outro departamento.
O importante nessa história é que as metas fiscais firmadas com o FMI já conseguiram trazer de volta a inflação e abortar o início da retomada do desenvolvimento no primeiro semestre. Os principais projetos do governo para o ano 2000 -"Brasil em Ação" e "Avança Brasil"- já estão comprometidos pela falta de recursos. Conforme reportagem recente da Folha, foram liberados apenas 36% dos recursos do "Brasil em Ação" devido ao contingenciamento imposto pela Fazenda. Certamente o PPA vai pelo mesmo caminho, sem contar cortes para bolsas de estudo, saúde e programas sociais.
Portanto, se o aumento de juros aumenta a dívida pública e provoca a necessidade de mais aumento ainda nos superávits fiscais; se, hoje em dia, esses superávits estão sendo bancados com o sacrifício de investimentos fundamentais para garantir o futuro do país, não seria a hora de Gustavo Franco pegar sua inteligência privilegiada (sem ironias) e tentar ajudar o país a pensar outras alternativas, que não a simples elevação das taxas de juro?
Que tal ressuscitar o brilhante ensaísta, com trabalhos memoráveis sobre o Encilhamento e a hiperinflação, e deixar de lado esse monetarista de uma nota só, que decididamente não está à altura do seu brilho? Não é nem por questão de ideologia. É apenas por um melhor aproveitamento de sua inteligência.

E-mail: lnassif@uol.com.br


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