São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Lula e o companheiro Bush


Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush concordam: o problema fiscal vai ser resolvido pelo crescimento
A REELEIÇÃO do presidente Lula, salvo se todas as pesquisas estiverem muito erradas, é quase certa. Uma das razões para o crescente favoritismo do candidato petista parece ter sido o ajuste fiscal proposto por assessores de Geraldo Alckmin.
O candidato da oposição tem sido deliberadamente vago com respeito à diminuição de gastos, afirmando que o acerto será resultado de um indolor "choque de gestão". Apesar disso, a campanha do PT conseguiu atrair um eleitorado aparentemente receoso de um corte das despesas federais.
A popularidade do gasto público no Brasil é surpreendente. Afinal, os governos de nível municipal, estadual e federal coletam pelo menos 38% do PIB em impostos. Excluído o superávit primário, sobra para o Estado um terço de tudo aquilo que é produzido no Brasil, que, como há pouco investimento público, é quase todo gasto em transferências e despesas correntes. Não obstante esse dispêndio, os nossos governos são incapazes de fornecer serviços públicos adequados.
Em alguns países, o apoio aos programas de governo advém do seu papel na redistribuição da renda. Mas o documento "Orçamento Social do Governo Federal 2001-2004", preparado sob a coordenação do então secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, mostrou que em 2003 o Imposto de Renda, as contribuições previdenciárias e as transferências em espécie como pensões e aposentadorias, seguro-desemprego, abono salarial, salário-família e Bolsa Escola reduziram o nosso Gini, que é um dos piores do mundo, em apenas 11%. Porque é bem focalizado, o Bolsa Família melhorou um pouco esse quadro, mas, para comparação, o Reino Unido reduz o seu Gini em 35% por meio de impostos e transferências.
É improvável que o Brasil cresça de forma sustentada nos próximos anos, a menos que a carga tributária diminua e que aumentem os investimentos do governo em infra-estrutura e em pesquisa e desenvolvimento. As soluções propostas pelos candidatos a presidente não são suficientes. É muito importante que se melhore a administração dos recursos públicos, mas o ajuste fiscal necessário não vai advir somente do bom gerenciamento, como proposto pelo ex-governador de São Paulo.
As propostas do atual presidente para recuperar a capacidade de investimento do governo e diminuir a carga tributária são ainda menos consistentes. Em entrevista a esta Folha, Lula afirmou que, em vez de reduzir despesas do governo, o Brasil tem de crescer mais e reduzir a taxa de juros.
A queda de juros vai ter um papel limitado na melhora das contas públicas. Mesmo que a taxa Selic real, isto é deduzida a inflação, diminua de 10% para 6% ao ano, a redução nos gastos com o pagamento de juros seria inferior a dois pontos percentuais do PIB. E, além disso, o uso dessa pequena folga para financiar investimentos ou cortar imposto exigiria mudança na meta de superávit primário.
Resta esperar, como o candidato petista, que o crescimento econômico faça o ajuste fiscal. Nesse ponto, Lula concorda plenamente com o companheiro Bush. No seu primeiro mandato, o presidente americano propôs e o Congresso de maioria republicana aprovou grandes cortes nos impostos, beneficiando de maneira especial os contribuintes mais ricos. Ao mesmo tempo, a administração americana aumentou o gasto do governo federal, uma combinação que gerou enormes déficits. Quando confrontado com a questão da dívida pública crescente, Bush diz, apesar de toda a evidência ao contrário, que o crescimento econômico vai, por si só, resolver esse problema.
Hoje, as manipulações que antecederam a invasão do Iraque estão comprovadas e os episódios do furacão em Nova Orleans e da desastrosa ocupação do Iraque demonstraram a incompetência do governo Bush. E, nas vésperas de eleições para deputados e um terço dos senadores, ao presidente Bush só sobrou argüir que os democratas, se se tornarem majoritários, aumentarão desnecessariamente os impostos. Resta saber se esse argumento, que desde a primeira eleição de Reagan tem ajudado o partido republicano, vai funcionar mais uma vez. Mas, visivelmente, nos EUA como no Brasil, prometer que o crescimento vai resolver os problemas fiscais é uma boa estratégia eleitoral.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

jose.scheinkman@gmail.com


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