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Cúpulas buscam "capitalismo do século 21"
Reuniões de líderes mundiais para debater economia global buscarão colocar freios no capitalismo, não substituí-lo
Líderes mundiais falam agora em maior papel para o Estado na economia; protecionismo também pode aumentar com crise
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Soa a Hugo Chávez, com sinal ideológico trocado: o presidente francês, Nicolas Sarkozy,
diz que as cúpulas globais que
está tratando de convocar destinam-se a construir o "capitalismo do século 21".
Ambiciosa idéia, como quase
todas as que Sarkozy maneja
-se as coloca em prática é outra discussão-, mas que também serve para delimitar claramente o sentido político-ideológico do pós-crise: não se trata
de substituir o capitalismo,
mas de colocar-lhe freios, na
forma de uma melhor regulação.
De todo modo, duas semanas
de uma crise sem paralelo nos
últimos 80 anos causaram suficiente ruído para que a revista
britânica "The Economist", a
mais sofisticada porta-bandeira do liberalismo, puxasse para
a capa da edição que está em
circulação uma suposta ameaça.
"Agora, a liberdade econômica está sob ataque. [...] Todos os
sinais estão apontando na mesma direção: um papel mais amplo para o Estado e um menor e
mais restrito para o setor privado."
Errado, responde Sarkozy:
"Esse tipo de capitalismo [o dos
últimos anos de frenesi desregulador] é uma traição ao capitalismo em que acreditamos".
Continua o hiperativo presidente francês: "Os hedge funds
[que apostam em diferentes
ativos] não podem continuar
operando como o fazem; paraísos fiscais, tampouco; instituições financeiras que não estão
sob controle regulatório não
são mais aceitáveis".
O também francês Jean-Claude Trichet, presidente do
Banco Central Europeu, estica
a lista dos alvos: condena "conflitos de interesse e anomalias"
entre as agências de avaliação
de risco (aliás também criticadas duramente pelo presidente
brasileiro, Luiz Inácio Lula da
Silva) e dá uma cutucada no
Fundo Monetário Internacional, sem mencioná-lo diretamente. "Houve uma subestimação da amplitude dos riscos", diz.
Em resumo, trata-se da
"agenda do nunca mais", como
a define Robert Litan, da Brookings Institution, dos Estados
Unidos.
Explica: "Não se trata de procurar soluções para sair da presente confusão, mas para evitar
que o imbróglio se repita no futuro".
Máquina produtiva
Não se trata, portanto, de
trocar o capitalismo pelo socialismo ou qualquer coisa parecida, mas de "pôr a máquina do
capitalismo a funcionar da maneira mais produtiva possível",
como diz Nancy Koehn, historiadora da Harvard Business
School.
Está claro, no entanto, que o
Estado ganha um papel mais
forte, até porque havia se retirado tanto do mundo das finanças que enfraquecer-se mais
não seria possível.
O protecionismo, outro anátema para os liberais, fica igualmente justificado pelas necessidades práticas. Sarkozy, por
exemplo, está propondo que os
países da União Européia
criem seus próprios fundos soberanos, para, de maneira coordenada, investir em empresas
da UE de forma a evitar que
caiam em mãos do capital externo.
"Não gostaria que os cidadãos europeus, dentro de alguns meses, descubram que as
empresas européias pertencem
a capitais não-europeus que as
compraram a preço baixo nas
Bolsas", diz Sarkozy.
Na verdade, ao menos neste
momento, em que a crise gera
mais calor do que luz, o debate
está mais entre os modelos de
capitalismo norte-americano e
europeu (que, para os conservadores norte-americanos, é
socialista).
David Leonhardt, colunista
do "New York Times", concorda que "a economia parece estar se encaminhando para um
período de mais regulação".
Mas acrescenta: "Ainda será
um capitalismo estilo Estados
Unidos, mais dentro das linhas
nas quais operou nos anos
1950, 1960 e 1990".
Se correta a tese, voltar alguns anos atrás significará apenas, completa Leonhardt, recuperar a idade de ouro do capitalismo: "Essas décadas produziram os maiores ganhos e os
mais amplamente compartilhados desde a Segunda Guerra
Mundial".
Faltou, no entanto, acrescentar que, nesse mundo, os países
ditos emergentes não contavam.
Agora, Sarkozy leva ainda esta semana sua hiperatividade à
China e à Índia, exatamente para envolvê-las na busca do "capitalismo do século 21".
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