São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2008

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Cúpulas buscam "capitalismo do século 21"

Reuniões de líderes mundiais para debater economia global buscarão colocar freios no capitalismo, não substituí-lo

Líderes mundiais falam agora em maior papel para o Estado na economia; protecionismo também pode aumentar com crise

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Soa a Hugo Chávez, com sinal ideológico trocado: o presidente francês, Nicolas Sarkozy, diz que as cúpulas globais que está tratando de convocar destinam-se a construir o "capitalismo do século 21".
Ambiciosa idéia, como quase todas as que Sarkozy maneja -se as coloca em prática é outra discussão-, mas que também serve para delimitar claramente o sentido político-ideológico do pós-crise: não se trata de substituir o capitalismo, mas de colocar-lhe freios, na forma de uma melhor regulação.
De todo modo, duas semanas de uma crise sem paralelo nos últimos 80 anos causaram suficiente ruído para que a revista britânica "The Economist", a mais sofisticada porta-bandeira do liberalismo, puxasse para a capa da edição que está em circulação uma suposta ameaça.
"Agora, a liberdade econômica está sob ataque. [...] Todos os sinais estão apontando na mesma direção: um papel mais amplo para o Estado e um menor e mais restrito para o setor privado."
Errado, responde Sarkozy: "Esse tipo de capitalismo [o dos últimos anos de frenesi desregulador] é uma traição ao capitalismo em que acreditamos".
Continua o hiperativo presidente francês: "Os hedge funds [que apostam em diferentes ativos] não podem continuar operando como o fazem; paraísos fiscais, tampouco; instituições financeiras que não estão sob controle regulatório não são mais aceitáveis".
O também francês Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, estica a lista dos alvos: condena "conflitos de interesse e anomalias" entre as agências de avaliação de risco (aliás também criticadas duramente pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva) e dá uma cutucada no Fundo Monetário Internacional, sem mencioná-lo diretamente. "Houve uma subestimação da amplitude dos riscos", diz.
Em resumo, trata-se da "agenda do nunca mais", como a define Robert Litan, da Brookings Institution, dos Estados Unidos.
Explica: "Não se trata de procurar soluções para sair da presente confusão, mas para evitar que o imbróglio se repita no futuro".

Máquina produtiva
Não se trata, portanto, de trocar o capitalismo pelo socialismo ou qualquer coisa parecida, mas de "pôr a máquina do capitalismo a funcionar da maneira mais produtiva possível", como diz Nancy Koehn, historiadora da Harvard Business School.
Está claro, no entanto, que o Estado ganha um papel mais forte, até porque havia se retirado tanto do mundo das finanças que enfraquecer-se mais não seria possível.
O protecionismo, outro anátema para os liberais, fica igualmente justificado pelas necessidades práticas. Sarkozy, por exemplo, está propondo que os países da União Européia criem seus próprios fundos soberanos, para, de maneira coordenada, investir em empresas da UE de forma a evitar que caiam em mãos do capital externo.
"Não gostaria que os cidadãos europeus, dentro de alguns meses, descubram que as empresas européias pertencem a capitais não-europeus que as compraram a preço baixo nas Bolsas", diz Sarkozy.
Na verdade, ao menos neste momento, em que a crise gera mais calor do que luz, o debate está mais entre os modelos de capitalismo norte-americano e europeu (que, para os conservadores norte-americanos, é socialista).
David Leonhardt, colunista do "New York Times", concorda que "a economia parece estar se encaminhando para um período de mais regulação". Mas acrescenta: "Ainda será um capitalismo estilo Estados Unidos, mais dentro das linhas nas quais operou nos anos 1950, 1960 e 1990".
Se correta a tese, voltar alguns anos atrás significará apenas, completa Leonhardt, recuperar a idade de ouro do capitalismo: "Essas décadas produziram os maiores ganhos e os mais amplamente compartilhados desde a Segunda Guerra Mundial".
Faltou, no entanto, acrescentar que, nesse mundo, os países ditos emergentes não contavam.
Agora, Sarkozy leva ainda esta semana sua hiperatividade à China e à Índia, exatamente para envolvê-las na busca do "capitalismo do século 21".


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