São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2008

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ARTIGO

Mundo desperta do sonho do descolamento

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Os EUA ainda mantêm a capacidade de abalar a economia mundial de que estão dotados pelo menos desde a década de 1920. Por isso, a luta entre a redução do endividamento dos países de alta renda e o ímpeto de crescimento das economias emergentes está terminando, infelizmente, com uma vitória decisiva para o primeiro.
No entanto, nem todas as notícias são negativas: as pressões financeiras estão recuando rapidamente. Mesmo assim, isso oculta ainda mais más notícias. O sistema financeiro abalado vai enfraquecer a transmissão do relaxamento monetário à economia. Isso fará com que a desaceleração que se aproxima dure muito tempo. Ainda que a ação decisiva tenha servido para salvar o mundo financeiro de seu recente ataque cardíaco, o paciente continua debilitado.
Em 2007, a economia mundial (medida a taxas de câmbio de mercado) cresceu 3,7% em termos reais. Para este ano, de acordo com a o FMI, a previsão é de 2,7%. Em 2009, deve cair a só 1,9%. As economias de alta renda devem ficar estagnadas no ano que vem. Enquanto isso, a provisão para as emergentes é de 6,1%. Parece alto. Mas representa redução de 0,6% ante à projeção do Fundo em julho, e fica bem abaixo dos 8% de 2007 e dos 6,9% previstos para 2008.
A boa surpresa é a previsão de crescimento de 6% para a África. Os asiáticos em desenvolvimento devem se manter na vanguarda, com 7,7%: a China com 9,3%, e a Índia em queda para 6,9%. Já Europa Central e Oriental devem crescer apenas 3,4% em 2009, e o hemisfério Ocidental, só 3,2%.
Essas projeções foram preparadas antes dos piores choques financeiros de setembro e outubro. Como apontou Mervyn King, presidente do Banco da Inglaterra, em discurso ontem, "era necessária ação radical para garantir a sobrevivência do sistema financeiro". E o fato mesmo de que os governos se tenham sentido obrigados a injetar tanto capital novo em seus sistemas financeiros indica a gravidade da crise.
Recentes indicadores dos EUA sobre varejo, construção residencial, produção industrial e confiança dos consumidores sugerem que a economia está caindo em recessão. Os problemas de diversos outros países avançados são semelhantes. Considerem os problemas que esses países têm de enfrentar. Entre 1980 e 2007, a relação entre a dívida financeira bruta e o PIB dos EUA -uma medida do endividamento do setor- saltou de 21% para 116%. Hoje, como resultado, as artérias do sistema estão bloqueadas por más dívidas.
Além disso, embora o governo dos EUA (e os de outros países ocidentais) tenham assumido o compromisso de salvar o núcleo do sistema bancário, o sistema financeiro não-bancário, incluindo os fundos de hedge, parece destinado a implodir à medida que o financiamento desaparece. Isso tornará inevitáveis vendas forçadas de ativos financeiros e insolvências.

O impacto da implosão daquilo que Nouriel Roubini, do RGE Monitor, define como "maior bolha de ativos alavancados e maior bolha de crédito da história" está exercendo efeitos cada vez mais severos sobre as economias reais.
E esses maus ventos não beneficiam ninguém: o FMI está de volta à ativa e já ajudou Islândia, Paquistão e Ucrânia. A lista de países em dificuldades inclui também Bulgária, Estônia, Letônia e Turquia. Embora China e Índia pareçam relativamente protegidas contra a recessão, ambas serão afetadas de maneira adversa. Investimentos e exportações líquidas geraram três quartos do crescimento da demanda chinesa nos últimos anos, e a crise desacelerará ambas as coisas.
As economias emergentes não se descolarão. Não surpreende: os EUA, a União Européia e o Japão geram 62% da produção mundial. Uma desaceleração acentuada nesses países decerto causa impacto sério no mundo. Mas algumas das economias emergentes ainda assim devem se provar capazes de sustentar crescimento relativamente rápido.
A desaceleração e os problemas financeiros reduziram os preços das commodities. O FMI já prevê inflação de preços ao consumidor de 2% ao ano nos países de alta renda. A queda é ruim para os exportadores de commodities. Mas promoverá reduções necessárias nas taxas oficiais de juros. Embora o impacto do corte dos juros deva ser modesto, ainda assim ajudará.
No entanto, sob as condições atuais, a política monetária não será suficiente. Temos uma situação keynesiana, que requer remédios keynesianos. Os déficits orçamentários terminarão em níveis antes considerados inaceitáveis. Que seja.
Duas medidas adicionais precisam ser implementadas. A primeira é um novo procedimento para a reestruturação de dívidas de domicílios falidos. A segunda é fornecer fundos suficientes para resgates do FMI a economias emergentes. Hoje, a liquidez do FMI é excepcional. Mas pode bem ser que essa situação não se mantenha por muito tempo, se as condições continuarem a piorar.
O desafio continua a ser garantir que aquilo que poderia ter se tornado uma verdadeira depressão econômica termine como uma recessão rasa em países de alta renda atingidos e como uma modesta desaceleração nos emergentes. Já foi feito o suficiente para prevenir o colapso dos sistemas financeiros. Mas uma longa e profunda desaceleração mundial ainda é provável. Ação determinada é necessária para limitar seus efeitos. Esse continua a ser o desafio mais imediato.


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