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ARTIGO
Mundo desperta do sonho do descolamento
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Os EUA ainda mantêm a capacidade de abalar a economia
mundial de que estão dotados
pelo menos desde a década de
1920. Por isso, a luta entre a redução do endividamento dos
países de alta renda e o ímpeto
de crescimento das economias
emergentes está terminando,
infelizmente, com uma vitória
decisiva para o primeiro.
No entanto, nem todas as notícias são negativas: as pressões
financeiras estão recuando rapidamente. Mesmo assim, isso
oculta ainda mais más notícias.
O sistema financeiro abalado
vai enfraquecer a transmissão
do relaxamento monetário à
economia. Isso fará com que a
desaceleração que se aproxima
dure muito tempo. Ainda que a
ação decisiva tenha servido para salvar o mundo financeiro de
seu recente ataque cardíaco, o
paciente continua debilitado.
Em 2007, a economia mundial (medida a taxas de câmbio
de mercado) cresceu 3,7% em
termos reais. Para este ano, de
acordo com a o FMI, a previsão
é de 2,7%. Em 2009, deve cair a
só 1,9%. As economias de alta
renda devem ficar estagnadas
no ano que vem. Enquanto isso,
a provisão para as emergentes é
de 6,1%. Parece alto. Mas representa redução de 0,6% ante à
projeção do Fundo em julho, e
fica bem abaixo dos 8% de 2007
e dos 6,9% previstos para 2008.
A boa surpresa é a previsão
de crescimento de 6% para a
África. Os asiáticos em desenvolvimento devem se manter
na vanguarda, com 7,7%: a China com 9,3%, e a Índia em queda para 6,9%. Já Europa Central e Oriental devem crescer
apenas 3,4% em 2009, e o hemisfério Ocidental, só 3,2%.
Essas projeções foram preparadas antes dos piores choques financeiros de setembro e
outubro. Como apontou
Mervyn King, presidente do
Banco da Inglaterra, em discurso ontem, "era necessária ação
radical para garantir a sobrevivência do sistema financeiro".
E o fato mesmo de que os governos se tenham sentido obrigados a injetar tanto capital novo em seus sistemas financeiros indica a gravidade da crise.
Recentes indicadores dos
EUA sobre varejo, construção
residencial, produção industrial e confiança dos consumidores sugerem que a economia
está caindo em recessão. Os
problemas de diversos outros
países avançados são semelhantes. Considerem os problemas que esses países têm de enfrentar. Entre 1980 e 2007, a
relação entre a dívida financeira bruta e o PIB dos EUA -uma
medida do endividamento do
setor- saltou de 21% para
116%. Hoje, como resultado, as
artérias do sistema estão bloqueadas por más dívidas.
Além disso, embora o governo dos EUA (e os de outros países ocidentais) tenham assumido o compromisso de salvar o
núcleo do sistema bancário, o
sistema financeiro não-bancário, incluindo os fundos de hedge, parece destinado a implodir
à medida que o financiamento
desaparece. Isso tornará inevitáveis vendas forçadas de ativos
financeiros e insolvências.
O impacto da implosão daquilo que Nouriel Roubini, do
RGE Monitor, define como
"maior bolha de ativos alavancados e maior bolha de crédito
da história" está exercendo
efeitos cada vez mais severos
sobre as economias reais.
E esses maus ventos não beneficiam ninguém: o FMI está
de volta à ativa e já ajudou Islândia, Paquistão e Ucrânia. A
lista de países em dificuldades
inclui também Bulgária, Estônia, Letônia e Turquia. Embora
China e Índia pareçam relativamente protegidas contra a recessão, ambas serão afetadas de
maneira adversa. Investimentos e exportações líquidas geraram três quartos do crescimento da demanda chinesa nos últimos anos, e a crise desacelerará
ambas as coisas.
As economias emergentes
não se descolarão. Não surpreende: os EUA, a União Européia e o Japão geram 62% da
produção mundial. Uma desaceleração acentuada nesses
países decerto causa impacto
sério no mundo. Mas algumas
das economias emergentes ainda assim devem se provar capazes de sustentar crescimento
relativamente rápido.
A desaceleração e os problemas financeiros reduziram os
preços das commodities. O
FMI já prevê inflação de preços
ao consumidor de 2% ao ano
nos países de alta renda. A queda é ruim para os exportadores
de commodities. Mas promoverá reduções necessárias nas
taxas oficiais de juros. Embora
o impacto do corte dos juros
deva ser modesto, ainda assim
ajudará.
No entanto, sob as condições
atuais, a política monetária não
será suficiente. Temos uma situação keynesiana, que requer
remédios keynesianos. Os déficits orçamentários terminarão
em níveis antes considerados
inaceitáveis. Que seja.
Duas medidas adicionais
precisam ser implementadas. A
primeira é um novo procedimento para a reestruturação de
dívidas de domicílios falidos. A
segunda é fornecer fundos suficientes para resgates do FMI a
economias emergentes. Hoje, a
liquidez do FMI é excepcional.
Mas pode bem ser que essa situação não se mantenha por
muito tempo, se as condições
continuarem a piorar.
O desafio continua a ser garantir que aquilo que poderia
ter se tornado uma verdadeira
depressão econômica termine
como uma recessão rasa em
países de alta renda atingidos e
como uma modesta desaceleração nos emergentes. Já foi feito
o suficiente para prevenir o colapso dos sistemas financeiros.
Mas uma longa e profunda desaceleração mundial ainda é
provável. Ação determinada é
necessária para limitar seus
efeitos. Esse continua a ser o
desafio mais imediato.
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