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OPINIÃO ECONÔMICA
Macroeconomia para o Natal
JOÃO SAYAD
Às vésperas do Natal, quero
oferecer um presente difícil
aos leitores de colunas de economia. Pretendo explicar a origem
das divergências entre os economistas.
Primeiro, as concordâncias. Todos concordamos que só existe desemprego em economias monetárias, isto é, que usam dinheiro. Só
o dinheiro permite que você não
gaste, não compre ou não invista
e que sobre alguma coisa: cebolas
que agricultores jogam no rio São
Francisco, automóveis nos pátios
das montadoras ou gente que
quer trabalhar e não encontra
emprego.
Concordamos também que dinheiro só é importante em economias capitalistas. Só economias
capitalistas usam dinheiro. Logo,
só em economias capitalistas existe desemprego. Esquimós ou ianomâmis não usam dinheiro e
não têm desemprego.
A concordância pára ai. Agora,
vamos às discordâncias.
Os conservadores -economistas clássicos, monetaristas, novos
clássicos ou neoliberais- acham
que dinheiro é apenas um expediente, uma invenção prática que
facilita compras e vendas, uma
espécie de vale-refeição ou passe
escolar.
O preço do dinheiro (o famoso
índice geral de preços) é fixado
como qualquer outro preço. Um
presidente do Banco Central do
Brasil afirmou, por exemplo, que
a taxa de câmbio (o preço do dólar) era um preço fixado como o
preço da banana. Muito dinheiro,
a moeda se desvaloriza. Pouco dinheiro, a moeda se valoriza.
Para os conservadores, como o
prof. Friedman da Universidade
de Chicago, as pessoas trabalham
para viver, e não vivem para trabalhar. Quem trabalha para ganhar dinheiro sofre de ilusão monetária. Os modelos dos conservadores supõem que o mundo é racional.
Os personagens dos modelos
clássicos parecem "hippies" que,
depois de uma refeição equilibrada (macrobiótica?) e um "cigarrinho", responderiam sorrindo:
"Não, obrigado, não quero mais
nada, estou bem assim", e deitariam na grama de Woodstock para ouvir os Rolling Stones.
No início do século, os conservadores chamavam os desempregados de vagabundos. Depois, o desemprego foi batizado de "natural" como as estações do ano. Hoje, decorre da falta de educação,
embora os bem-educados estejam
executando tarefas que não exigem a educação que adquiriram
e muitos estejam desempregados.
Economistas críticos -keynesianos, pós-keynesianos, marxistas- acham que o dinheiro é instituição de origem sagrada e misteriosa, como o Estado, a família
ou o casamento. O valor da moeda depende da eficácia do Estado
(capacidade de aprovar e fazer
valer as leis), dos frágeis laços de
confiança que caracterizam a
moderna sociedade de indivíduos
e, principalmente, de muita ilusão monetária. Para que o valor
do dinheiro seja estável, isto é, para que não haja inflação, é preciso
que haja paixão pelo dinheiro. Os
apaixonados não pedem explicações.
Para os economistas críticos, o
mundo é irracional e as pessoas
vivem apenas para trabalhar e
ganhar dinheiro, mesmo que não
saibam o que fazer com ele. Sem
dinheiro estável, a economia não
funciona, assim como um cassino
não funciona sem fichas e cacifes.
Os personagens dos modelos dos
economistas críticos são jogadores aflitos que, sentados à volta da
mesa da roleta, acumulam cada
vez mais fichas de plástico brilhante sem saber por quê. O importante é ganhar cada vez mais.
Não sabem o que fazer com tanto
dinheiro nem por que querem cada vez mais dinheiro em vez de
bens.
O desemprego é filho da paixão
desenfreada pelo dinheiro. Produzir dinheiro não requer mão-de-obra nem capital -basta papel e tinta. Acumular dinheiro,
diferentemente de construir pirâmides ou fazer guerras, gera desemprego.
A solução não é fácil. Não existe
cassino sem cacifes e fichas brilhantes. Se não existir dinheiro de
valor estável, a economia não
funciona e, no limite, paralisa. Se
o dinheiro tiver valor estável e for
excessivamente desejado por todos, o desemprego aumenta.
Aqui acabam as diferenças entre os dois pontos de vista. Agora
vêm as contradições.
Os economistas conservadores,
que atribuem "ilusão monetária"
a quem trabalha apenas para ganhar dinheiro, idolatram o dinheiro quando estão no governo.
As taxas de juros são altas e, diante do risco de qualquer inflaçãozinha, aumentam os juros e criam
desemprego. A política dos conservadores transforma os "hippies" de suas teorias em adoradores de dinheiro.
Quando economistas críticos estão no governo, aumenta o receio
da inflação. Todos temem ficar
com dinheiro na mão, investem
mais e o desemprego diminui.
Transformam os jogadores em investidores que adoram produzir
bens.
A única solução possível é encontrar ministros e presidentes de
banco central que usem ternos escuros, falem como conservadores
e ajam como economistas críticos.
A equipe econômica precisa ser
contraditória porque o mundo é
contraditório.
A teoria dos clássicos funciona
apenas durante a ceia de Natal,
quando cessa, por poucas horas, a
paixão pelo dinheiro e trocam-se
presentes, beijos e votos de feliz
Natal.
João Sayad, 57, economista, é professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - jsayad@attglobal.net
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