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LUÍS NASSIF
A fama de mau
A decisão do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) de anteontem é relevante para pensar nos limites da tão falada
autonomia do Banco Central.
Manteve-se a taxa de juros
inalterada, apesar da progressão fulminante da dívida interna.
Qual a justificativa? Alguém
aventou que seria a eventualidade de um repique nos preços.
Especialistas em preços disseram que as altas deste mês são
tópicas, que não se sustentam.
A renda continua caindo, o
desemprego continua alto, a capacidade ociosa da indústria
continua elevada. Mas alguém
levantou a hipótese de que,
mantido o ritmo de crescimento da atividade econômica, no
final do ano poderia se bater no
limite da capacidade instalada.
O próprio mercado, vendo a
abundância da entrada de dólares, vendo preços estáveis e
atividade econômica recém-saída da UTI, apostava na queda dos juros. E nada ocorreu.
O que leva a essa alienação?
Há quem suponha que tenham
sido comentários que circularam há algumas semanas, de
que o Banco Central teria começado a recompor reservas
-depois de negativas reiteradas de seu presidente- por
pressão de cima. A reação do
BC teria sido demonstrar, com
a decisão de anteontem, que
não se curva a ninguém.
Há quem suponha que seja a
vaidade vazia, de quem cai no
canto de sereia da comunidade
financeira internacional, para
quem dureza é sinal de competência.
O BC atua como o juiz que
condena todos os réus para ganhar fama de durão. Ou como o
crítico que desanca todas as peças para ganhar fama de severo. Quem é permanentemente
rígido não é puro, é despreparado, sem critérios, por não saber
diferenciar situações.
A irresponsabilidade fiscal do
BC está aí, à mostra, mas não é
cobrada. Anteontem, o pai dessa tal de metas inflacionárias
publicou artigo dizendo que a
bonança na área externa está
deixando o governo desleixado.
Onde? Na regulação das agências e em outros temas microeconômicos. Esse pessoal virou
tudo especialista permanentemente preocupado com a microeconomia. Cabeças de planilha que jamais conseguiram
formular conceitos a partir de
observação do mundo real de
repente se tornam extraordinariamente preocupados com a
microeconomia. E tudo para
fugir da questão essencial: como será possível criar mecanismos de revitalização da economia com essa política monetária extraordinariamente irresponsável?
Esse pessoal tem a planilha.
Como avalia a progressão da
dívida pública à luz dessa irresponsabilidade do BC? Ou, na
sua augusta opinião, o BC não
tem que se preocupar com as
conseqüências fiscais da política monetária?
Se amanhã ocorrer o estouro
da manada, por conta do aumento dos juros, mais uma vez
jogará a culpa na irresponsabilidade fiscal do governo? Como
justificará, se está sendo cortado dinheiro da saúde, da educação, da infra-estrutura e nem
assim se consegue pagar essa
carga de impostos?
Como justificar que um país
quebrado, miserável, possa se
dar ao luxo de permitir que um
grupo de despreparados mantenha os juros nesse nível, contra
a opinião até do próprio mercado, apenas para preservar sua
fama de mau (conforme matéria de ontem neste mesmo caderno da Folha)?
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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