São Paulo, quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Na ladeira, os freios falham

BC dos Estados Unidos dá um choque para ajudar mercado de ações, mas vai ser difícil segurar economia real

DOENTES CARDÍACOS em crise aguda recebem choques violentos para que seu coração volte a bater regularmente. Mas o desfibrilador não cura e nem começa a curar ninguém. O banco central dos Estados Unidos deu um choque no mercado de ações americano, que fibrilava nos índices futuros, no descompasso da histeria das Bolsas de Europa e Ásia.
Na segunda-feira, não havia notícia além das perdas brutais em Bolsas de Valores conservadoras como Frankfurt e Londres. O Fed reuniu-se por meio de videoconferência no início da noite de segunda-feira a fim dar um choque nas Bolsas em pânico, um tapa na cara do mercado em histeria e fora de si. Mas parece mais uma mãozona para o mercado do que outra coisa.
Um corte de emergência, brutal e inédito em décadas, não é, claro, sem conseqüências. Mas não freia uma economia que já desce a ladeira.
Os bancos já perderam muito, já estavam no período de "muda", de recompor capital e estratégia de investimentos. Mas podem perder mais, dada a quantidade de papéis arriscados que detêm e podem apodrecer. O risco de quebra ou de rebaixamento da nota de crédito das "seguradoras" de títulos financeiros renovou essa perspectiva lúgubre. De resto, os bancos vêm registrando nos próprios balanços a deterioração da capacidade de pagamento do consumidor. Mesmo com dinheiro novo e barato, não devem soltar o crédito tão cedo.
Começou a ficar evidente na temporada de balanços do quarto trimestre que o lucro das empresas começou a apanhar, embora as grandes empresas estejam bem em termos financeiros e com acesso a financiamentos a juros bons -mas não é o caso para empresas menores e novas.
Mas sinais de consumo menor devem conter investimentos em capital. O custo de investir, de resto, tende a subir -há sinais disso em pesquisas com bancos e nas entrevistas de diretores de instituições financeiras com analistas de mercado, quando divulgaram os resultados do trimestre.
Está longe de clara a situação do consumidor, apesar do fiasco das vendas do varejo de dezembro. Mas o consumidor está endividado faz muito tempo. O desemprego subiu um pouco, e a inadimplência da prestação do carro e do cartão de crédito subiu, para nem mencionar a da casa própria, que já vem de ano. Seu patrimônio, ações e casas, mais e mais perde valor. Mesmo com estímulos fiscais (o desconto de imposto de Bush) ou com algum alívio no crédito, vai voltar a gastar?
É razoável esperar uma queda adicional do dólar, embora, no que diz respeito a câmbio, nunca se saiba. A inflação já vinha bem alta. Na gangorra entre pressão inflacionária, com moeda em desvalorização, e a eventual pressão de baixa de preços advinda de um desaquecimento, o que prevalece?
Ao comentar a decisão dramática do Fed, bancões e analistas importantes da economia americana voltavam a falar de estagflação (inflação e baixo crescimento). Diziam também que talvez se possa atenuar, mas não conter, o dominó que começou com o estouro da bolha de preço dos imóveis.
Que prejudicou americanos já muito endividados. Que levou ao colapso os títulos financeiros exóticos e estourou o balanço dos bancos. Que avariou a confiança nos mercados de crédito e vai reduzir financiamentos. Que prejudica consumo e investimento produtivo.


vinit@uol.com.br

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