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VINICIUS TORRES FREIRE
Na ladeira, os freios falham
BC dos Estados Unidos dá um
choque para ajudar mercado
de ações, mas vai ser difícil
segurar economia real
DOENTES CARDÍACOS em crise
aguda recebem choques violentos para que seu coração volte a bater regularmente. Mas o desfibrilador não cura e nem começa a curar ninguém. O
banco central dos Estados Unidos
deu um choque no mercado de ações
americano, que fibrilava nos índices
futuros, no descompasso da histeria
das Bolsas de Europa e Ásia.
Na segunda-feira, não havia notícia
além das perdas brutais em Bolsas de
Valores conservadoras como Frankfurt e Londres. O Fed reuniu-se por
meio de videoconferência no início
da noite de segunda-feira a fim dar
um choque nas Bolsas em pânico, um
tapa na cara do mercado em histeria e
fora de si. Mas parece mais uma mãozona para o mercado do que outra
coisa.
Um corte de emergência, brutal e
inédito em décadas, não é, claro, sem
conseqüências. Mas não freia uma
economia que já desce a ladeira.
Os bancos já perderam muito, já estavam no período de "muda", de recompor capital e estratégia de investimentos. Mas podem perder mais,
dada a quantidade de papéis arriscados que detêm e podem apodrecer. O
risco de quebra ou de rebaixamento
da nota de crédito das "seguradoras"
de títulos financeiros renovou essa
perspectiva lúgubre. De resto, os bancos vêm registrando nos próprios balanços a deterioração da capacidade
de pagamento do consumidor. Mesmo com dinheiro novo e barato, não
devem soltar o crédito tão cedo.
Começou a ficar evidente na temporada de balanços do quarto trimestre que o lucro das empresas começou a apanhar, embora as grandes
empresas estejam bem em termos financeiros e com acesso a financiamentos a juros bons -mas não é o caso para empresas menores e novas.
Mas sinais de consumo menor devem
conter investimentos em capital. O
custo de investir, de resto, tende a subir -há sinais disso em pesquisas
com bancos e nas entrevistas de diretores de instituições financeiras com
analistas de mercado, quando divulgaram os resultados do trimestre.
Está longe de clara a situação do
consumidor, apesar do fiasco das
vendas do varejo de dezembro. Mas o
consumidor está endividado faz muito tempo. O desemprego subiu um
pouco, e a inadimplência da prestação do carro e do cartão de crédito subiu, para nem mencionar a da casa
própria, que já vem de ano. Seu patrimônio, ações e casas, mais e mais perde valor. Mesmo com estímulos fiscais (o desconto de imposto de Bush)
ou com algum alívio no crédito, vai
voltar a gastar?
É razoável esperar uma queda adicional do dólar, embora, no que diz
respeito a câmbio, nunca se saiba. A
inflação já vinha bem alta. Na gangorra entre pressão inflacionária, com
moeda em desvalorização, e a eventual
pressão de baixa de preços advinda de
um desaquecimento, o que prevalece?
Ao comentar a decisão dramática do
Fed, bancões e analistas importantes
da economia americana voltavam a falar de estagflação (inflação e baixo
crescimento). Diziam também que
talvez se possa atenuar, mas não conter, o dominó que começou com o estouro da bolha de preço dos imóveis.
Que prejudicou americanos já muito
endividados. Que levou ao colapso os
títulos financeiros exóticos e estourou
o balanço dos bancos. Que avariou a
confiança nos mercados de crédito e
vai reduzir financiamentos. Que prejudica consumo e investimento produtivo.
vinit@uol.com.br
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