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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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BARRIL DE PÓLVORA

Futuro das reservas alimenta divergências entre EUA e membros do Conselho de Segurança da ONU

Petróleo iraquiano já mobiliza potências

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Embora as motivações políticas e ideológicas se destaquem nessa guerra, os interesses econômicos em jogo não são nada desprezíveis. Contratos bilionários de petróleo, negociações comerciais, dívidas do governo iraquiano com outros países e o futuro das reservas da commodity apelidada de "ouro preto" no Iraque alimentam as divergências entre países com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU.
De um lado, estão França, Rússia e China. Além de boas relações históricas com o Iraque, esses três países sedimentaram caros relacionamentos econômicos com o governo de Saddam Hussein.
Principalmente nos últimos três anos, o Iraque negociou com empresas desses e de outros países contratos para a exploração de campos de petróleo do país, cujos custos estimados somam expressivos US$ 38 bilhões.
Companhias petrolíferas da Rússia respondem, sozinhas ou em consórcios, por US$ 19,45 bilhões do total dos contratos. A única empresa francesa envolvida nesses negócios, a TotalFinaElf, tem dois contratos com o governo iraquiano de US$ 7,4 bilhões.
No caso da China, a única empresa envolvida é a estatal CNPC (China National Petroleum Company), que também assinou dois contratos com o Iraque no valor de US$ 2,5 bilhões.
Segundo Gerald Butt, editor da revista "Mees" -uma das publicações mais respeitadas do setor de energia-, os contratos prevêem que as empresas invistam em exploração e desenvolvimento das reservas. A produção seria dividida com o governo iraquiano. O economista William Nordhaus, da Universidade Yale, diz em estudo sobre as consequências econômicas da guerra que as condições desses contratos, que incluem até participação acionária, são bastante favoráveis às empresas estrangeiras.
Mas, longe de ser uma benesse de Saddam Hussein, as aparentes concessões estavam mais para moeda de troca por apoio político no cenário mundial.
Esses contratos não haviam entrado em vigor antes do início da guerra por causa do embargo comercial ao Iraque. Irritado com a demora no início das operações, Saddam, inclusive, suspendeu contratos de empresas russas que vinham tentando reatá-los.
A questão inquietante é sobre qual será o destino desses contratos na provável era pós-Saddam, em que o país tende a ficar sob a influência norte-americana.
No caso da Rússia, a expectativa de que a produção de petróleo no Iraque dispare alguns anos depois da guerra, forçando os preços internacionais para baixo, também faz o país temer o conflito.
Segundo Michael Renner, do WorldWatch Institute, a economia russa é muito dependente da exportação de petróleo. O alto custo de produção da commodity na Rússia aliado a uma possível redução dos preços representa uma ameaça à renda do país.
No extremo oposto, estão os EUA, que parecem ter motivos econômicos de sobra para querer a saída de Saddam. As reservas de petróleo do Irasomam 112,5 bilhões de barris, aos quais podem ser somados outros 220 bilhões de barris, segundo dados da Energy Information Agency, agência de petróleo norte-americana.
Essas reservas poderiam satisfazer as necessidades de importação dos EUA (cerca de 4 bilhões de barris por ano) por mais de oito décadas, o que alimenta as acusações de que o governo de George W. Bush quer dominar a indústria de petróleo iraquiana.
"Além da influência política que quer ter no Oriente Médio, o governo Bush está pensando no enorme consumo de petróleo norte-americano", afirma Márcio Scalercio, professor de história contemporânea das faculdades Cândido Mendes e PUC, especializado em conflitos militares.
No caso do Reino Unido, duas multinacionais -Shell e Pacific- têm contratos com o Iraque no valor de US$ 3,25 bilhões. Há ainda as preocupações do governo britânico sobre a carência de fontes de energia no país.
Todos esses interesses econômicos que envolvem o Iraque dão pistas sobre o quão complicadas serão as negociações pós-guerra.


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