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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Futuro da UE pode estar nas mãos da Inglaterra

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

A construção da União Européia sempre encontrou nos ingleses uma forte resistência, talvez um resquício da resistência oferecida pelo país aos ataques aéreos alemães na Segunda Guerra Mundial.
Aliás, o tema está a tal ponto vivo que David Letterman, célebre entrevistador televisivo nova-iorquino, comentou em tom de piada que da última vez em que os franceses vacilaram diante do "inimigo comum" foram os norte-americanos que afinal tiveram de guerrear para libertar o país da ocupação alemã.
O fato é que a ruptura dos Estados Unidos com a aliança franco-alemã, que constitui o alicerce econômico da União Européia, coloca agora a Inglaterra numa posição de força diante dos planos de fortalecimento da zona do euro.
A ponta do iceberg é a disputa em torno do destino dos despojos da guerra do Iraque, butim que inclui nada menos de 30% das reservas mundiais de petróleo e, adicionalmente, a julgar pela intensidade dos bombardeios da última sexta-feira, volumosos contratos de engenharia civil que surgirão quando começar a reconstrução do país.
Os ingleses já apresentaram resolução à ONU (Organização das Nações Unidas) em favor da criação de uma autoridade de ocupação no Iraque, responsável pela administração do processo de reconstrução. A França rapidamente repudiou a proposta.
O primeiro-ministro Tony Blair tenta apelar para o pragmatismo, mas esse é um valor mais britânico que continental.
O mecanismo de controle econômico mais importante é a gestão dos chamados recursos humanitários provenientes da venda de petróleo iraquiano. Ao transferir esse controle para as autoridades iraquianas, as Nações Unidas acomodaram preferencialmente os interesses comerciais e militares da França e da Alemanha.
Agora, os Estados Unidos exigem que a reconstrução do Iraque comece com a transferência desse poder para as Nações Unidas, uma vez aprovada uma resolução autorizando a liderança de ingleses e americanos na instalação de uma autoridade de ocupação.
O fato é que, além do Iraque, a União Européia também precisará de uma reconstrução. Reconstrução geopolítica, mas também econômica e financeira. Os bancos alemães já solicitam um programa emergencial de socorro.
O acesso a energia é um fator importante na organização do desenvolvimento econômico.
No mapa mundial do petróleo, as reservas do Golfo são relativamente mais importantes para a União Européia do que para os Estados Unidos, que têm amplas reservas domésticas e contam com fornecedores ao norte e ao sul das Américas (como os recursos do Canadá, mas também do golfo do México e da Venezuela).
Ao atacar e tomar as reservas do Golfo, os Estados Unidos controlarão fontes que são decisivas para o crescimento principalmente dos países europeus (e da Ásia, especialmente a China, que está passando o Japão como consumidora de energia não-renovável).
Erram os que vêem na ocupação do Golfo uma simples relação linear entre controle de reservas e queda nos preços do petróleo, algo que favoreceria o crescimento em todo o mundo, sobretudo o dos EUA. A dimensão geopolítica estratégica crucial é o controle do crescimento mundial.
A Inglaterra, ao se colocar como a mediadora entre a UE e o poder norte-americano, pode estar com o futuro da economia européia nas mãos.


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