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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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LIVRE COMÉRCIO

Reunião para acelerar acordo entre União Européia e Mercosul evita pôr em pauta conflito no Iraque

Guerra fica fora da negociação comercial

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Nos corredores do prédio em que se reúnem, em Bruxelas, os negociadores do Mercosul e da União Européia, os aparelhos de TV ficam ligados na CNN ou na BBC e mostram cenas do ataque norte-americano ao Iraque.
Mas, nas salas de negociação propriamente ditas, "os técnicos estão ocupados com a definição de regras de origem, medidas de facilitação de negócios, métodos e modalidades nas negociações de serviços, enfim com a agenda da discussão entre os dois blocos", depõe José Alfredo Graça Lima, embaixador brasileiro para a União Européia.
É a mais objetiva demonstração de que a guerra, pelo menos até agora, não contaminou as negociações comerciais.
A reunião em Bruxelas visa adiantar o acordo entre União Européia e Mercosul para construir uma Associação Interregional, que seria a primeira do planeta e a primeira a envolver países não contíguos geograficamente.
É também a única reunião importante em que negociadores brasileiros estão presentes, na semana em que começou o ataque ao Iraque.
Graça Lima deixa claro que a ausência da guerra na sala de reuniões não é insensibilidade "aos inumeráveis estragos que uma guerra causa". É decorrência do fato de que os técnicos envolvidos na negociação não devem mesmo fazer comentários sobre temas que não estão em pauta.
Mas há também o desejo da Comissão Européia -braço executivo do conglomerado de 15 países europeus- de pretender ignorar uma guerra defendida por alguns de seus membros (à frente o Reino Unido), mas que teve uma forte oposição dos dois principais países do bloco (Alemanha e França).
O desejo de deixar a guerra de fora da negociação comercial já havia sido explicitado à Folha pelo comissário (espécie de ministro) europeu para o Comércio, Pascal Lamy, no encerramento da reunião de ministros do Comércio em Tóquio, no mês passado.
"Comércio é um exercício pacífico. Não vamos pôr combustível nesse fogo", disse Lamy em resposta a uma pergunta sobre eventuais efeitos na negociação do azedo desacordo entre França e Alemanha, de um lado, e Estados Unidos e Reino Unido do outro, na questão iraquiana.
Mas o comissário teve o cuidado de acrescentar: "Se vamos conseguir (não pôr combustível na fogueira), eu não sei".
O chanceler brasileiro Celso Amorim é outro que teme algum impacto da guerra e das divergências em torno dela nas negociações comerciais.
"Vamos tentar pragmaticamente levar as negociações adiante. Mas, sendo realista, é difícil que não haja nenhum impacto", diz Amorim.
Otimista de ofício, no entanto, imagina que os líderes políticos queiram demonstrar que não houve a contaminação.
Já o diretor-geral da própria OMC (Organização Mundial do Comércio), o tailandês Supachai Panitchpakdi, afirma temer que o enfraquecimento do multilateralismo, dado pela ação norte-americana contra o Iraque à revelia da ONU (Organização das Nações Unidas), provoque, sim, efeitos negativos no grande foro comercial multilateral que é a OMC.
A guerra prejudicará ainda mais as negociações já semi-paralisadas na OMC, previu Panitchpakdi, em palestra proferida segunda-feira no Instituto de Graduação para Estudos Internacionais de Genebra.
O diretor da OMC acha que os países terão que "redobrar esforços para cicatrizar as feridas" deixadas pelas divergências em torno da guerra, de forma a poderem colocar a negociação comercial de volta nos trilhos.
Não são apenas as divergências que podem prejudicar as negociações. A Folha obteve na OMC a avaliação de que os eventos no Iraque desviarão as atenções das lideranças políticas e, por extensão, reduzirão o seu foco em comércio.
Mais: a inquietação do empresariado com uma situação de conflito terá efeito negativo sobre seus investimentos e o comércio, sem contar o aumento dos custos com transporte e seguros, como consequência da instabilidade.
O resultado final seria um menor crescimento do comércio internacional, imagina-se na OMC.
Tudo somado, a guerra no Iraque pode não ter penetrado nas salas de negociações comerciais, mas já está, sim, fazendo efeito sobre o comércio e a política que o envolve.


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