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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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EUFORIA DO MERCADO

Disparada das Bolsas de Valores e desabamento do preço do petróleo não devem se sustentar

Desdobramentos da guerra podem calar coro de otimismo

DA REPORTAGEM LOCAL

As estimativas das consequências econômicas da guerra contra o Iraque têm sido dominadas por um coro otimista que prevê um conflito rápido seguido de recuperação de PIBs (Produtos Internos Brutos) mundo afora. Embora esse seja o discurso principal, detalhes que escapam das análises dão pistas de possíveis desdobramentos menos róseos.
Embora as estimativas de crescimento da economia global piorem a cada dia, muitos economistas defendem que boa parte das tensões econômicas atuais são fruto das incertezas geopolíticas. Portanto, terminada a guerra, a tendência seria de recuperação.
Essa expectativa se refletiu no comportamento dos mercados na semana passada. Bolsas de Valores dispararam e o preço do petróleo recuou bastante.
Mesmo que o conflito seja rápido-é isso que sugeriram os primeiros ataques ao Iraque- há possíveis desdobramentos que têm escapado de muitas análises do mercado. Além disso, as principais causas da fraqueza da economia mundial, dificilmente, desaparecerão com o fim da guerra.

Detalhes ignorados
O rumo dos preços do petróleo, os gastos com o conflito, a melhora dos índices de confiança de consumidores e investidores e a recuperação das Bolsas de Valores serão os principais fatores que determinarão as extensões macroeconômicas da guerra.
Para começar, ao contrário de algumas previsões, é improvável que as Bolsas de Valores norte-americanas tenham forte recuperação depois da guerra. A análise de indicadores de mercado como o P/L, que mede a relação entre preços e lucros, mostram que as cotações das empresas continuam infladas em relação aos seus ganhos. Isso indica que há, sim, espaço para correção dos preços, mas para baixo.
O P/L calculado com base nos últimos resultados das empresas da S&P, bolsa que reúne as 500 maiores companhias norte-americanas, está atualmente em 30. O número indica que serão precisas três décadas até que a distribuição dos lucros correntes das empresas, via dividendos, atinjam quantia equivalente ao atual valor de mercado das mesmas.
"Esse P/L indica que a empresa está cara, que o lucro corrente não justifica a cotação inflada", diz Alexandre Silvério, sócio da Gap Asset Management.
Se forem consideradas as estimativas de ganhos futuros das empresas para este ano, o P/L da S&P despenca para 16,2. A redução é explicada pelas projeções significativamente maiores para os lucros das empresas este ano.
Boa notícia? Não exatamente. Esse é apenas outro sinal de que o mercado exagera nas suas previsões otimistas. Afinal, as chances de que os lucros disparem em 2003 não combinam nada com as projeções cada vez mais magras para o desempenho da economia.

Gastos
Os custos do conflito também parecem subestimados. Devem ultrapassar os US$ 50 bilhões em gastos militares calculados pelo governo dos EUA.
A única análise detalhada sobre os custos além de gastos militares foi feita pelo economista William Nordhaus, da Universidade de Yale, EUA. Ele estimou custos de ocupação, reconstrução, assistência humanitária, impacto no mercado de petróleo e consequências macroeconômicas.
Sua projeção otimista é de US$ 99 bilhões num período de dez anos. A pessimista chega a US$ 1,9 trilhão, o equivalente a 2% do PIB norte-americano para cada ano de uma década.
O problema, que afeta até os cálculos elaborados de Nordhaus, é a impossibilidade de se prever e calcular todos os desdobramentos da guerra. No caso das cotações de petróleo, há analistas que esperam que as cotações desabem para US$ 20, a exemplo do que ocorreu na Guerra do Golfo.
Essas análises ignoram, por exemplo, que parte da pressão atual sob as cotações da commodity se deve à crise na Venezuela. Embora a greve no país latino-americano já tenha terminado, a produção no país não deve voltar ao normal este ano.
Ainda piores seriam as consequências de sérios danos à infra-estrutura de produção da "commodity" no Oriente Médio.
Como previam especialistas em conflitos internacionais, Saddam Hussein tem dado ordens para que as estruturas de produção de petróleo sejam danificadas, por vingança. O ditador iraquiano já havia feito isso antes de deixar o Kuait, derrubando a produção do país de 2 milhões de barris por dia para 200 mil em 1991.
A hipótese de que a guerra seja seguida por ataques terroristas e conflitos internos no país também traria consequências incalculáveis, como pressão extra sobre os preços de petróleo.
As crises que afetaram muito os preços de "commodity" (como em 1973, 1979, 1991) acabaram contaminando a economia global com fortes efeitos recessivos.
Isso acontece porque a alta dos preços do petróleo é como um imposto adicional sobre os custos das empresas. Tende a provocar elevação de preços e cortes de produção, contribuindo para o desaquecimento econômico.
A resposta dos governos, nesses casos, depende da situação econômica. Nas últimas crises, como a economia global passava por expansão, houve elevação de juros para coibir a inflação. Agora, como vivemos dias de desaceleração, as respostas a uma possível disparada nos preços do petróleo são mais difíceis de prever.
À primeira vista, a expectativa é que os países desenvolvidos sigam o receituário tradicional e afrouxem ainda mais suas políticas monetárias para tentar aquecer suas economias.
Mas, no médio prazo, já há quem veja sinais de que os EUA terão de subir juros, o que prejudicaria ainda mais a economia global (leia texto na página B13).
(ÉRICA FRAGA)


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