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BC acerta ao ameaçar elevar juro, afirma economista da FGV
Salomão Quadros diz que autoridade monetária tem de estar atenta, mas não vê necessidade de alta na taxa no momento
Para coordenador de inflação, famílias de baixa renda
estão sentindo mais as altas de preço, em razão de os
alimentos estarem mais caros
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando alguém descobre
que ele coordena o cálculo dos
indicadores de inflação da FGV
(Fundação Getulio Vargas), é
inevitável. "Já vem logo discordar, questionar, dizer que na
sua opinião os preços estão subindo mais do que os índices
refletem", diz o economista Salomão Quadros, 52. "Trata-se
de um assunto que mobiliza as
pessoas, que diz respeito diretamente à vida delas."
Foi por isso que ele decidiu
reunir em um livro as crônicas
e histórias sobre inflação que
escreveu entre 2004 e 2007. Os
textos revelam as transformações ocorridas no Brasil e como
se comportam governo, empresas e consumidores no meio do
processo de estabilização da
moeda, que teve início com o
Plano Real, em 1994. "Muito
Além dos Índices" saiu neste
mês pela Editora FGV.
Analisando a trajetória da inflação nos últimos anos, Quadros explica que, apesar da alta
observada em 2007 e do aumento do consumo interno,
não há perigo de volta ao caos
das décadas de 80 e 90. Mas ele
defende a agressividade do
Banco Central, que ameaça elevar os juros novamente.
Leia a seguir trechos de entrevista concedida à Folha.
FOLHA - Há alguns dias, o presidente Lula chamou a inflação de "doença desgraçada". O senhor concorda
com essa designação?
SALOMÃO QUADROS - Muita coisa
ruim pode acontecer na economia, e a inflação certamente é
uma das piores, porque vai comendo pelas beiradas. Começa
em 4% ao ano, depois chega a
5%, 6%. Quando se vê, ela tomou conta. E não ataca todo
mundo igualmente -uma parcela da sociedade tem mais
condições de conviver com a
inflação porque possui acesso
às aplicações financeiras [que
corrigem o dinheiro]. Para a
parte mais pobre, entretanto,
se não houver reajuste salarial,
sobra apenas a estocagem de
alimentos em casa como maneira de se planejar.
FOLHA - O Banco Central tem manifestado desconforto com o nível
do consumo no país e avisou que pode voltar a subir os juros caso se configure uma ameaça inflacionária.
Existem motivos para preocupação?
QUADROS - Quando se fala em
ameaça inflacionária, vem à cabeça o processo de hiperinflação que tomou conta do Brasil
nas décadas de 80 e 90. O que
está acontecendo agora não
tem nenhuma semelhança com
aquilo. Em 2005, houve um pico da inflação [5,69% segundo o
IPCA], que depois caiu bastante em 2006 [para 3,14%]. Em
2007, ela voltou a subir [para
4,46%], mas ainda ficou menor
que a de 2005. O que aconteceu
é que a de 2006 foi baixa demais, era natural que tornasse a
subir um pouco.
FOLHA - E o que pressionou mais os
preços no ano passado?
QUADROS - Choques de oferta e
aumento da demanda no que se
refere à produção agrícola. Do
lado da oferta, o mau tempo e a
seca prejudicaram a safra de alguns produtos. Na demanda,
surgiu a intenção do governo
americano de incentivar o uso
do álcool de milho, então o preço do grão disparou, acompanhado pelo da soja. Também os
países asiáticos, que estão crescendo horrores, aumentaram o
seu consumo. A forte pressão
dos alimentos é o que destoou
dos anos anteriores. Tirando isso, a inflação está razoável. Não
se trata de uma alta generalizada em todos os setores.
FOLHA - No livro, o senhor lembra
o famoso episódio da "inflação do
chuchu", na década de 70. No caso
dos alimentos, agora, algum está se
destacando?
QUADROS - Os produtos agrícolas, em geral, estão experimentando esse aumento. Nosso
agricultor fica satisfeito, porque a demanda mundial pelo
álcool e o consumo de alimentos continuarão aquecidos. A
inflação é um aumento generalizado de preços. Então, quando se diz que há um "vilão", na
verdade não existe inflação. No
ano passado, por exemplo, o
feijão subiu 160%, só que outros itens tiveram uma forte redução de preços.
FOLHA - O BC acerta ao ameaçar
elevar a taxa Selic novamente?
QUADROS - O BC está fazendo
certo, tem que ficar atento. Ele
está enfaticamente dizendo
que, se for preciso, vai aumentar [os juros]. No entanto, creio
que ainda não é necessário. Aumentar a taxa agora seria uma
ducha de água fria. O BC só vai
subir a Selic se houver sinais
mais claros de que a inflação
parece sair da área da meta
[4,5% anuais], o que não está
ocorrendo.
FOLHA - Se os preços agrícolas estão puxando a inflação para cima
atualmente, o que a pressiona para
baixo?
QUADROS - Eletrônicos em geral, tanto porque eles enfrentam uma concorrência direta
de similares importados como
porque são feitos de componentes importados. É a competição com o que vem da China.
FOLHA - Por que as pessoas sentem
a inflação no bolso com intensidades diferentes?
QUADROS - A pesquisa para o
indicador é feita com até 7.000
famílias. A inflação de uma tende a ser diferente da média. De
2004 a 2006, provavelmente a
inflação para as famílias de baixa renda foi menor. Elas gastam muito mais com alimentos,
proporcionalmente, do que a
classe média. Se os alimentos
sobem, essa parcela da sociedade sente mais. Isso é dinâmico,
vai mudando. Em janeiro,
quem não paga mensalidade
escolar para os filhos não tem
inflação. Cada um nota os preços dos produtos que compra
com maior freqüência.
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