São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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BC acerta ao ameaçar elevar juro, afirma economista da FGV

Salomão Quadros diz que autoridade monetária tem de estar atenta, mas não vê necessidade de alta na taxa no momento

Para coordenador de inflação, famílias de baixa renda estão sentindo mais as altas de preço, em razão de os alimentos estarem mais caros

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando alguém descobre que ele coordena o cálculo dos indicadores de inflação da FGV (Fundação Getulio Vargas), é inevitável. "Já vem logo discordar, questionar, dizer que na sua opinião os preços estão subindo mais do que os índices refletem", diz o economista Salomão Quadros, 52. "Trata-se de um assunto que mobiliza as pessoas, que diz respeito diretamente à vida delas."
Foi por isso que ele decidiu reunir em um livro as crônicas e histórias sobre inflação que escreveu entre 2004 e 2007. Os textos revelam as transformações ocorridas no Brasil e como se comportam governo, empresas e consumidores no meio do processo de estabilização da moeda, que teve início com o Plano Real, em 1994. "Muito Além dos Índices" saiu neste mês pela Editora FGV.
Analisando a trajetória da inflação nos últimos anos, Quadros explica que, apesar da alta observada em 2007 e do aumento do consumo interno, não há perigo de volta ao caos das décadas de 80 e 90. Mas ele defende a agressividade do Banco Central, que ameaça elevar os juros novamente. Leia a seguir trechos de entrevista concedida à Folha.

 

FOLHA - Há alguns dias, o presidente Lula chamou a inflação de "doença desgraçada". O senhor concorda com essa designação?
SALOMÃO QUADROS -
Muita coisa ruim pode acontecer na economia, e a inflação certamente é uma das piores, porque vai comendo pelas beiradas. Começa em 4% ao ano, depois chega a 5%, 6%. Quando se vê, ela tomou conta. E não ataca todo mundo igualmente -uma parcela da sociedade tem mais condições de conviver com a inflação porque possui acesso às aplicações financeiras [que corrigem o dinheiro]. Para a parte mais pobre, entretanto, se não houver reajuste salarial, sobra apenas a estocagem de alimentos em casa como maneira de se planejar.

FOLHA - O Banco Central tem manifestado desconforto com o nível do consumo no país e avisou que pode voltar a subir os juros caso se configure uma ameaça inflacionária. Existem motivos para preocupação?
QUADROS -
Quando se fala em ameaça inflacionária, vem à cabeça o processo de hiperinflação que tomou conta do Brasil nas décadas de 80 e 90. O que está acontecendo agora não tem nenhuma semelhança com aquilo. Em 2005, houve um pico da inflação [5,69% segundo o IPCA], que depois caiu bastante em 2006 [para 3,14%]. Em 2007, ela voltou a subir [para 4,46%], mas ainda ficou menor que a de 2005. O que aconteceu é que a de 2006 foi baixa demais, era natural que tornasse a subir um pouco.

FOLHA - E o que pressionou mais os preços no ano passado?
QUADROS -
Choques de oferta e aumento da demanda no que se refere à produção agrícola. Do lado da oferta, o mau tempo e a seca prejudicaram a safra de alguns produtos. Na demanda, surgiu a intenção do governo americano de incentivar o uso do álcool de milho, então o preço do grão disparou, acompanhado pelo da soja. Também os países asiáticos, que estão crescendo horrores, aumentaram o seu consumo. A forte pressão dos alimentos é o que destoou dos anos anteriores. Tirando isso, a inflação está razoável. Não se trata de uma alta generalizada em todos os setores.

FOLHA - No livro, o senhor lembra o famoso episódio da "inflação do chuchu", na década de 70. No caso dos alimentos, agora, algum está se destacando?
QUADROS -
Os produtos agrícolas, em geral, estão experimentando esse aumento. Nosso agricultor fica satisfeito, porque a demanda mundial pelo álcool e o consumo de alimentos continuarão aquecidos. A inflação é um aumento generalizado de preços. Então, quando se diz que há um "vilão", na verdade não existe inflação. No ano passado, por exemplo, o feijão subiu 160%, só que outros itens tiveram uma forte redução de preços.

FOLHA - O BC acerta ao ameaçar elevar a taxa Selic novamente?
QUADROS -
O BC está fazendo certo, tem que ficar atento. Ele está enfaticamente dizendo que, se for preciso, vai aumentar [os juros]. No entanto, creio que ainda não é necessário. Aumentar a taxa agora seria uma ducha de água fria. O BC só vai subir a Selic se houver sinais mais claros de que a inflação parece sair da área da meta [4,5% anuais], o que não está ocorrendo.

FOLHA - Se os preços agrícolas estão puxando a inflação para cima atualmente, o que a pressiona para baixo?
QUADROS -
Eletrônicos em geral, tanto porque eles enfrentam uma concorrência direta de similares importados como porque são feitos de componentes importados. É a competição com o que vem da China.

FOLHA - Por que as pessoas sentem a inflação no bolso com intensidades diferentes?
QUADROS -
A pesquisa para o indicador é feita com até 7.000 famílias. A inflação de uma tende a ser diferente da média. De 2004 a 2006, provavelmente a inflação para as famílias de baixa renda foi menor. Elas gastam muito mais com alimentos, proporcionalmente, do que a classe média. Se os alimentos sobem, essa parcela da sociedade sente mais. Isso é dinâmico, vai mudando. Em janeiro, quem não paga mensalidade escolar para os filhos não tem inflação. Cada um nota os preços dos produtos que compra com maior freqüência.


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