São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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ENTREVISTAS

Privatizar ou não? Especialistas elencam seus argumentos. Elena Landau, ex-diretora de privatização do BNDES (governo Fernando Henrique Cardoso), afirma que o setor elétrico não pode ficar à mercê da falta de investimentos do Estado, que tem outras prioridades, e aponta a dificuldade de blindar as estatais do uso político. Contrário à privatização, Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras (governo Lula), vê na Cesp um instrumento capaz de alavancar o crescimento, critica a falta de visão dos governos e vê riscos até para a iniciativa privada. O único consenso é que as regras precisam ser aperfeiçoadas. (TONI SCIARRETTA)

ELENA LANDAU

"Estatais continuam limitadas para investir"

Landau aponta uso político de empresas públicas

 
FOLHA - Por que defender a privatização?
ELENA LANDAU -
A privatização começou numa crise fiscal do setor público. Não havia dinheiro para investimentos. Não temos hoje uma situação dessa, mas as estatais continuam limitadas na sua capacidade de investimento. Nos serviços como energia elétrica, não se pode ficar à mercê da falta de investimento do setor público. Isso levou a um sucateamento do setor.
O segundo ponto é uma questão de prioridade do gasto do dinheiro público. Se o setor privado tem interesse e você pode manter a qualidade dos serviços por meio de boa regulação, por que o setor público precisa fazer?
O terceiro ponto é o mais polêmico: até que ponto as estatais conseguem ficar blindadas do uso político? Não é culpa desse ou daquele governo, as pessoas confundem o uso da coisa pública e privada.

FOLHA - Então, o setor público deveria ficar só na regulação?
LANDAU -
O setor público poderia continuar se ele atuar da mesma forma e nas mesmas condições de competição do setor privado. Ou seja, se tiver a mesma taxa de retorno, uma boa governança e transparência, não faz diferença. O setor estatal não precisa só regular, ele tem a função de complementar investimentos, mas tem de estar na mesma regra do jogo.

FOLHA - Como viabilizar o investimento de que o setor precisa?
LANDAU -
O problema é como fazer para voltar a ter investimento em geração, para que acompanhe a demanda e o crescimento do país. Um economista diria que, se você tivesse preços corretos para mostrar esse ajuste difícil entre oferta e demanda, haveria investimento. Um teto nos leilões com diferentes tecnologias não sinaliza todos os riscos que o setor tem.

FOLHA - Como o modelo frágil atrapalha os investimentos?
LANDAU -
Qual a grande reclamação do setor privado? O setor público tem uma taxa de retorno menos competitiva que o setor privado. Ele tem custo de capital teoricamente inferior. Então, entra num leilão cheio de riscos e assume. Em vez de a gente consertar as questões que estão afastando o setor privado, vem o setor público e assume. É o ovo e a galinha. E você não tem dinheiro do setor público para fazer os investimentos necessários.

FOLHA - As regras de renovação de concessão são obsoletas?
LANDAU -
Não, mas as regras têm de ser organizadas e estar claras. Há sistemas que vencem em 2015, mas os critérios de prorrogação e de reversão não estão definidos. Não acho que esteja havendo pânico. O setor privado tem certeza de que o governo vai resolver essa situação porque não vai querer afugentar o investidor. O que tem de se avaliar é por que os investimentos não cresceram o esperado. E aí consertar.

FOLHA - Não houve avanços?
LANDAU -
Houve muito investimento no Brasil. A qualidade dos serviços melhorou, houve a universalização dos serviços. Depois que acabou a fase de aumento de custos, está havendo redução tarifária por causa do aumento de eficiência. Essas coisas têm de ser registradas.

ILDO SAUER

"Falta visão capaz de criar valor no setor elétrico"

Governos seguem cartilha dos anos 90, diz Sauer

 

FOLHA - Por que ser contra a privatização?
ILDO SAUER -
A privatização do setor de energia é resultado de uma avaliação que foi hegemônica em meados dos anos 90, que dizia que nenhuma empresa pública podia funcionar adequadamente e que só a gestão privada e os mercados são capazes de resolver todos os problemas. Os notórios exemplos dos apagões de Califórnia, Brasil, Argentina, Chile e Colômbia mostraram que a situação é mais complexa.

FOLHA - Qual a importância da energia para o país?
SAUER -
Quando o petróleo atinge mais de US$ 100, o controle desses sistemas é capaz de gerar enorme riqueza e empregos. Infelizmente, os governos estaduais e federal ainda não tiveram a visão de compreender o que se passa no mundo. Privatizar a Cesp é um equívoco político, estratégico e econômico. Não é só um problema do governo do Estado, é uma ausência de visão política e estratégica do setor.

FOLHA - Qual modelo seguir?
SAUER -
Deveríamos aprender com países como a China e a Rússia, que, em torno da estratégica do setor de energia e de infra-estrutura, têm buscado soluções que levaram a um crescimento econômico e a um poder geopolítico relevante. O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, era vice-presidente da Gazprom. Pela sua atuação, credenciou-se a virar o presidente da Rússia. A Rússia, que decretou a moratória em 1998, saiu desse pesadelo em grande parte se articulando com instrumentos de atuação estratégica em torno do gás, do petróleo e da energia.

FOLHA - Para o Estado, não é mais importante investir em outros setores, que não interessam à iniciativa privada?
SAUER -
Botar dinheiro no caixa do governo do Estado tem mais a ver com estratégias eleitorais do que com uma visão de futuro que compreenda o grande movimento do capital e do papel dos recursos naturais. Botar alguns bilhões nos caixa do Tesouro e abrir mão de capacidade enorme de atuação é um equívoco estratégico, que vale tanto para o governo do Estado como para o federal, que deixou o sistema Eletrobrás à míngua nos últimos seis anos. Fala-se muito em converter a Eletrobrás em uma Petrobras, mas não senti nada, está tudo parado.

FOLHA - Se é um equívoco do Estado, seria uma oportunidade para o setor privado?
SAUER -
Não vejo assim. Há riscos enormes. É uma aposta. Não acho que seja bom nem para o setor privado, porque tem muitos riscos jurídicos e econômicos. Muitas empresas sérias, que poderiam estar interessadas, afastaram-se. Acho que não convém concretizar agora. Há todo um imbróglio não resolvido com as concessões.

FOLHA - Qual a lição tomada se o leilão da Cesp fracassar?
SAUER -
Seria o momento de o governo do Estado e do federal darem uma olhada para o que está acontecendo no mundo, definirem uma nova visão coerente com os tempos de hoje e definir um modelo de reorganização empresarial do setor. Chamo tanto Serra como Lula para essa reflexão.


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