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ENTREVISTAS
Privatizar ou não? Especialistas elencam seus argumentos. Elena Landau, ex-diretora de privatização do
BNDES (governo Fernando Henrique Cardoso), afirma que o setor elétrico não pode ficar à mercê da falta
de investimentos do Estado, que tem outras prioridades, e aponta a dificuldade de blindar as estatais do
uso político. Contrário à privatização, Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras (governo Lula), vê na Cesp um
instrumento capaz de alavancar o crescimento, critica
a falta de visão dos governos e vê riscos até para a iniciativa privada. O único consenso é que as regras precisam ser aperfeiçoadas.
(TONI SCIARRETTA)
ELENA LANDAU
"Estatais continuam limitadas para investir"
Landau aponta uso político de empresas públicas
FOLHA - Por que defender a privatização?
ELENA LANDAU - A privatização começou numa crise fiscal do setor público. Não havia dinheiro para investimentos. Não temos hoje uma
situação dessa, mas as estatais continuam limitadas na
sua capacidade de investimento. Nos serviços como
energia elétrica, não se pode
ficar à mercê da falta de investimento do setor público.
Isso levou a um sucateamento do setor.
O segundo ponto é uma
questão de prioridade do
gasto do dinheiro público. Se
o setor privado tem interesse
e você pode manter a qualidade dos serviços por meio
de boa regulação, por que o
setor público precisa fazer?
O terceiro ponto é o mais
polêmico: até que ponto as
estatais conseguem ficar
blindadas do uso político?
Não é culpa desse ou daquele
governo, as pessoas confundem o uso da coisa pública e
privada.
FOLHA - Então, o setor público
deveria ficar só na regulação?
LANDAU - O setor público poderia continuar se ele atuar
da mesma forma e nas mesmas condições de competição do setor privado. Ou seja,
se tiver a mesma taxa de retorno, uma boa governança e
transparência, não faz diferença. O setor estatal não
precisa só regular, ele tem a
função de complementar investimentos, mas tem de estar na mesma regra do jogo.
FOLHA - Como viabilizar o investimento de que o setor precisa?
LANDAU - O problema é como fazer para voltar a ter investimento em geração, para
que acompanhe a demanda e
o crescimento do país. Um
economista diria que, se você
tivesse preços corretos para
mostrar esse ajuste difícil
entre oferta e demanda, haveria investimento. Um teto
nos leilões com diferentes
tecnologias não sinaliza todos os riscos que o setor tem.
FOLHA - Como o modelo frágil
atrapalha os investimentos?
LANDAU - Qual a grande reclamação do setor privado?
O setor público tem uma taxa de retorno menos competitiva que o setor privado. Ele
tem custo de capital teoricamente inferior. Então, entra
num leilão cheio de riscos e
assume. Em vez de a gente
consertar as questões que estão afastando o setor privado, vem o setor público e assume. É o ovo e a galinha. E
você não tem dinheiro do setor público para fazer os investimentos necessários.
FOLHA - As regras de renovação
de concessão são obsoletas?
LANDAU - Não, mas as regras
têm de ser organizadas e estar claras. Há sistemas que
vencem em 2015, mas os critérios de prorrogação e de reversão não estão definidos.
Não acho que esteja havendo
pânico. O setor privado tem
certeza de que o governo vai
resolver essa situação porque não vai querer afugentar
o investidor. O que tem de se
avaliar é por que os investimentos não cresceram o esperado. E aí consertar.
FOLHA - Não houve avanços?
LANDAU - Houve muito investimento no Brasil. A qualidade dos serviços melhorou, houve a universalização
dos serviços. Depois que acabou a fase de aumento de
custos, está havendo redução
tarifária por causa do aumento de eficiência. Essas
coisas têm de ser registradas.
ILDO SAUER
"Falta visão capaz de criar valor no setor elétrico"
Governos seguem cartilha dos anos 90, diz Sauer
FOLHA - Por que ser contra a privatização?
ILDO SAUER - A privatização
do setor de energia é resultado de uma avaliação que foi
hegemônica em meados dos
anos 90, que dizia que nenhuma empresa pública podia funcionar adequadamente e que só a gestão privada e os mercados são capazes de resolver todos os problemas. Os notórios exemplos dos apagões de Califórnia, Brasil, Argentina, Chile
e Colômbia mostraram que a
situação é mais complexa.
FOLHA - Qual a importância da
energia para o país?
SAUER - Quando o petróleo
atinge mais de US$ 100, o
controle desses sistemas é
capaz de gerar enorme riqueza e empregos. Infelizmente, os governos estaduais e federal ainda não tiveram a visão de compreender o que se passa no mundo.
Privatizar a Cesp é um equívoco político, estratégico e
econômico. Não é só um problema do governo do Estado,
é uma ausência de visão política e estratégica do setor.
FOLHA - Qual modelo seguir?
SAUER - Deveríamos aprender com países como a China
e a Rússia, que, em torno da
estratégica do setor de energia e de infra-estrutura, têm
buscado soluções que levaram a um crescimento econômico e a um poder geopolítico relevante. O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, era vice-presidente da
Gazprom. Pela sua atuação,
credenciou-se a virar o presidente da Rússia. A Rússia,
que decretou a moratória em
1998, saiu desse pesadelo em
grande parte se articulando
com instrumentos de atuação estratégica em torno do
gás, do petróleo e da energia.
FOLHA - Para o Estado, não é
mais importante investir em outros setores, que não interessam
à iniciativa privada?
SAUER - Botar dinheiro no
caixa do governo do Estado
tem mais a ver com estratégias eleitorais do que com
uma visão de futuro que
compreenda o grande movimento do capital e do papel
dos recursos naturais.
Botar alguns bilhões nos
caixa do Tesouro e abrir mão
de capacidade enorme de
atuação é um equívoco estratégico, que vale tanto para
o governo do Estado como
para o federal, que deixou o
sistema Eletrobrás à míngua
nos últimos seis anos. Fala-se muito em converter a Eletrobrás em uma Petrobras,
mas não senti nada, está tudo parado.
FOLHA - Se é um equívoco do Estado, seria uma oportunidade
para o setor privado?
SAUER - Não vejo assim. Há
riscos enormes. É uma aposta. Não acho que seja bom
nem para o setor privado,
porque tem muitos riscos jurídicos e econômicos. Muitas empresas sérias, que poderiam estar interessadas,
afastaram-se. Acho que não
convém concretizar agora.
Há todo um imbróglio não
resolvido com as concessões.
FOLHA - Qual a lição tomada se
o leilão da Cesp fracassar?
SAUER - Seria o momento de
o governo do Estado e do federal darem uma olhada para o que está acontecendo no
mundo, definirem uma nova
visão coerente com os tempos de hoje e definir um modelo de reorganização empresarial do setor. Chamo
tanto Serra como Lula para
essa reflexão.
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