São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2010

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BENJAMIN STEINBRUCH

Alemanha ou França?


A redução da jornada não deve ser imposta por lei, mas por acordos negociados entre as empresas e empregados

HÁ DUAS semanas, a Alemanha mereceu uma longa reportagem de capa da revista "The Economist", sob o título "Motor da Europa". Uma década atrás, o país tinha uma economia doente, com baixo crescimento econômico, alto índice de desemprego e fuga de grandes empresas industriais em busca de redução de custos.
A realidade alemã de hoje é muito diferente. Embora o país tenha tido queda do Produto Interno Bruto de 5% em 2009, uma das maiores da Europa, por conta da crise global, o índice de desemprego teve apenas leve elevação em todo o período recessivo, de 7,6% em setembro de 2008 para 8,2% no mês passado.
Esse desempenho da maior economia europeia, que está sendo chamado de "milagre alemão", segundo a revista, advém de velhas virtudes combinadas com outras recentemente adquiridas. Uma delas, muito importante, foi a reforma no mercado de trabalho, que permitiu maior cooperação entre empregados e empregadores, de forma a reduzir custos e a aumentar a competitividade dos produtos alemães, apesar do engessamento cambial da moeda única, o euro. De 2000 a 2008, o custo do trabalho teve queda média anual de 1,8% na Alemanha, significa dizer 15% em oito anos. Essa redução de custos resultou em grande impacto nas exportações alemãs, a ponto de transformar o país no maior exportador mundial até 2008, sendo superado pela China em 2009. A despeito da crise global, a balança comercial alemã teve superavit de US$ 193 bilhões nos últimos 12 meses.
Busco o exemplo alemão para entrar em um tema delicado do atual momento brasileiro. Tramita no Congresso Nacional uma emenda constitucional que pretende reduzir a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais.
O tema precisa ser tratado com tranquilidade, à luz de experiências passadas, como as da Alemanha e da França, por exemplo. Certamente, o objetivo de qualquer ser humano é trabalhar o suficiente para aproveitar a vida. Ocorre que as empresas, que dependem da força do trabalho, estão envolvidas numa feroz competição global na qual só prosperam as que apresentam custos e preços mais baixos. A busca do objetivo maior do bem-estar, portanto, embora legítima, não pode comprometer a sobrevivência dos empregos.
É péssimo que o debate sobre a redução da jornada seja contaminado pelo clima eleitoral que já toma conta do país. O exemplo francês mostra que a redução forçada da jornada, em 1982, não teve efeito nenhum -houve queda de 4% no nível de emprego. Em 1997, numa segunda etapa, para corrigir os erros anteriores, o governo da França tornou a redução voluntária e criou incentivos fiscais para estimular as empresas a preservar empregos.
O caminho para o Brasil não pode ser muito diferente desse. Muitas grandes empresas já adotam regimes de trabalho de 40 horas ou até inferiores, por meio de acordos negociados com seus empregados.
Desde que consigam se manter competitivas no mercado, essa é uma prática que as empresas podem e devem adotar, mesmo as médias e pequenas. E são bem-vindos os estímulos tributários para facilitar esses entendimentos.
Seria certamente uma irresponsabilidade se o Brasil viesse a adotar, por meio de camisa de força constitucional, obrigações que contribuíssem para deteriorar a competitividade global de sua produção. O custo final dessa alteração, feita no embalo do ano eleitoral, poderia ser muito alto para o país. As experiências da Alemanha e da França estão aí para quem quiser conferir.


BENJAMIN STEINBRUCH , 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

bvictoria@psi.com.br


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