São Paulo, terça, 23 de março de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Se Deus quiser!

BENJAMIN STEINBRUCH

Quanto mais penso, mais fico convencido de que a única opção para o Brasil é a produção. Só vamos conseguir inverter esse quadro de crise se viabilizarmos mais emprego, mais investimento, mais geração de riquezas. Não vai ser com recessão e juros altos que conseguiremos pagar nossa dívida interna e nossa dívida externa. E, muito menos, abater a nossa dívida social.
É claro que todos sabemos das dificuldades do momento que justificam todas as preocupações do governo com relação ao retorno da inflação e a consequente volta da mortífera indexação. Ninguém quer isso, e tudo se justifica para espantar de vez esse fantasma.
Acredito que esse receio vai ser superado rapidamente, transformado em coisa do passado. Mas, e aí? Como vamos ficar? Nós, brasileiros, já sabemos, porque conhecemos o potencial do nosso país, que o Brasil reage rápido, que os brasileiros não são de ficar de braços cruzados, aguardando a tragédia. Ao contrário, quando desafiado pelas crises, o país soma trabalho com criatividade e responde sempre melhor e mais velozmente que o esperado, causando espanto àqueles incrédulos promotores do fim do mundo.
Agora mesmo, diante das ameaças de aumento de grandes fornecedores, vimos as grandes cadeias de hipermercados buscando novos supridores para que suas gôndolas continuassem abastecidas de produtos de qualidade sem repercussões maiores no valor da cesta básica.
Vimos também fabricantes de veículos e eletrodomésticos fazendo exercícios destinados a mudar seus esquemas de financiamentos e formação de preços para evitar aumentos desnecessários e segurar o índice inflacionário.
Também vimos grandes lanchonetes, de um lado, e um número incrível de cafés e botequins, de outro, mantendo os preços de seus sanduíches e até da média com pão e manteiga.
Valeu, como já mostram os índices divulgados nos últimos dias, bem abaixo das previsões derrotistas do mês passado... É a sociedade, mais uma vez, dando lições aos burocratas, aos políticos, aos empresários, a todos nós, apostando na vitória contra a crise. Não tenho dúvidas de que ela virá.
Mas precisamos estar preparados. Alguns estão muito surpresos pelo fato de a inflação não ter disparado, apesar da fortíssima desvalorização da moeda e da altíssima taxa de juros decidida pelo Banco Central. A verdade é que o preço pela inversão da expectativa inflacionária tem que ser debitado, principalmente, à recessão que se faz dolorosamente presente e vem cumprindo seu papel. Mas, e aí? O sacrifício compensa mais 30 dias, 60 dias. E depois?
Iniciamos o segundo mandato com um grande susto, que fez com que todos os planos para o novo quadriênio tivessem que ser superados ou, até mesmo, esquecidos. Mas o governo e as forças da economia não podem esquecer que é preciso apresentar um novo planejamento estratégico, para que os geradores de riquezas consigam entender o processo, definir um norte e, como esperado, dar suas contribuições.
As empresas sérias desse país, de todos os tamanhos, puseram de lado seus programas e partiram para planos de emergência que estão sendo implementados, mas que poderiam ser melhores e mais eficazes se o governo trilhasse o mesmo caminho.
Desconfio de que esse plano já existe. No seu cerne ele terá que ser a "agenda positiva" que todos esperamos e que precisa se apoiar no fortalecimento do capital nacional, no fomento às empresas brasileiras, que precisarão ser fortes e competitivas em nível global, tornando-as capazes de gerar mais emprego, proporcionando mais salário, partindo para o aumento de produção que gera riquezas. O plano precisa também incluir as preliminares do campo social, nas áreas da saúde, da habitação, da segurança, da educação e da Previdência.
Temos que conhecer as novas prioridades que o governo deve assinalar para devolver este país à rota do desenvolvimento. Já sugeri, aqui mesmo neste espaço, que a prioridade máxima fosse centrada nas áreas de exportação, de turismo, da casa popular e dos agronegócios, nas quais é rápida a resposta da economia e é mais forte o potencial de geração de empregos.
Está na hora de explicar essas prioridades e convocar parceiros para a nova caminhada. É a hora também de dizer qual o papel das reformas previdenciária, fiscal e administrativa nessa luta, para que possamos reduzir o déficit do Orçamento não só cortando despesas, mas pela definição de um novo e diferente modelo.
Vamos dizer ao povo qual é a nossa aposta e onde devemos colocar nossas esperanças. A crise vai passar logo e temos de estar preparados para lançar nosso querido Brasil numa nova fase de notícias, lastreadas em fatos positivos de uma agenda amplamente discutida e conhecida por todos, em que todos terão seus lugares para trabalhar e colaborar.
Vamos devolver o otimismo e a auto-estima ao brasileiro. Não teremos vergonha de nossos erros, na hora em que acharmos o caminho de volta do trabalho e da produção, que nada mais é que o caminho do desenvolvimento. Temos que ter metas, temos que ter desafios, temos que ter mais explicações para estarmos preparados e motivados. Dessa vez vamos aproveitar a nova era como se fosse a nossa última oportunidade de viabilizar este país. O governo está fazendo o certo, diante dos dramas do momento. O povo está também reagindo e fazendo o certo, esperando e confiando que o outono vai passar e que vamos ter o inverno mais feliz de nossas vidas. Se Deus quiser!


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br



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