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São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 2003

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LUÍS NASSIF

As agências de risco e o manual

David T. Beers, presidente da Standard & Poor's, empresa de "rating", esteve no Brasil nesta semana para tentar esclarecer os critérios de avaliação da economia pela empresa.
Esteve aqui um pouco antes da crise da Argentina. Sua preocupação, nas conversas que teve, foi explicar que o papel de uma agência de risco é analisar a solvência dos países e empresas -não necessariamente o que é melhor ou pior para o país e seu povo.
A explicação foi relevante para pôr os pingos nos is.
Mas tomemos a explicação de mr. Beers ao pé da letra. Suponha um investidor de risco. Ele traz seu capital em dólares, aplica por aqui e gera receita em reais. Depois, tem de converter os reais em dólares para remeter para a matriz.
Quando o real se desvaloriza -como no ano passado-, o que ocorre com seus investimentos? Primeiro, reduz o valor da remessa dos lucros e dividendos, porque eles terão de ser convertidos por um dólar mais caro. Depois, deprecia todos os seus ativos no Brasil, porque eles também serão convertidos em dólares pela paridade do fechamento do balanço.
Logo, a volatilidade do câmbio é um enorme fator de risco para ele.
Agora avalie-se a situação brasileira, à luz das eleições do ano passado. De repente, criou-se um clima catastrofista no mercado internacional que cortou as linhas de financiamento. Sem oferta de dólares, o câmbio explodiu. O investidor direto teve enormes prejuízos com a desvalorização cambial, e seu risco foi proporcional à vulnerabilidade externa brasileira. Em cima do risco Brasil entrou o risco manada -a possibilidade de os bancos cortarem suas linhas de crédito ao Brasil, mesmo aqueles que acreditavam que Lula não iria botar lenha na fogueira, mas por não saberem se os demais bancos sabiam disso. É risco para iraquiano nenhum botar defeito.
Se o país fosse menos vulnerável, tivesse menos necessidade de dólares, obviamente o efeito eleições provocaria muito menor volatilidade no câmbio, porque haveria fluxo estável garantido de dólares.
A desvalorização cambial permite o aparecimento de um enorme superávit e aumenta a oferta de dólares no país por conta da melhoria das contas externas. Melhorou ou piorou a percepção sobre o país por parte do investidor direto? É óbvio que melhorou.
No entanto quando se indaga de mr. Beers qual a importância que ele dá à redução da vulnerabilidade externa, que é função da melhoria do superávit comercial e do balanço de pagamentos, que é função do dólar, o que ele diz? Que as contas externas não têm importância, o importante é apenas o superávit fiscal do governo. E não há santo que o demova dessa posição.
Quando se cobra uma definição dele sobre superávit comercial, limita-se a dizer que as economias que se abriram completamente ao fluxo financeiro internacional estão crescendo mais do que o Brasil. Nem adiante argumentar que, nelas, a proporção comércio exterior/ PIB é muito maior do que no Brasil, sujeitando a economia a muito menor volatilidade no câmbio.
As agências parecem mais empenhadas em serem propagandistas da liberdade de capitais do que analistas de risco.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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