São Paulo, domingo, 23 de abril de 2006

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GASTO PÚBLICO

Sem medidas efetivas para conter suas despesas, governo espera crescimento elevado para cumprir metas

Equilíbrio de contas só vem com PIB de 4,9%

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de abandonar a idéia de um plano ortodoxo de ajuste fiscal de longo prazo, o governo agora aposta que a prometida aceleração do crescimento econômico fará o trabalho de equilibrar as contas públicas.
As novas projeções oficiais para a evolução das despesas permanentes da União, a partir da meta de redução de sua proporção em relação ao Produto Interno Bruto nos próximos três anos, só são factíveis se a economia crescer a um ritmo médio anual de 4,9%, inédito no país em tempos de inflação baixa.
No projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) recém-enviado ao Congresso, o governo assume o compromisso de reduzir em 0,1 ponto percentual do PIB as chamadas despesas correntes -pessoal, custeio administrativo e programas sociais, incluindo Previdência e assistência.
Trata-se de uma meta bem menos ambiciosa que a anunciada como uma "revolução" na LDO proposta no ano passado: fixar um teto permanente de 17% do PIB para tais gastos. O ano eleitoral transformou a revolução em pó e o próprio governo prevê despesas correntes recordes de 17,71% do PIB neste ano.
Agora, como diz o ministro Paulo Bernardo (Planejamento), trabalha-se com um objetivo mais "realista", o de reduzir essa proporção a 17,41% em 2009.
No entanto, as projeções da área econômica apontam que não se pretende mexer no numerador -as despesas- da fração. A conta fecha, isso sim, com um aumento no denominador -o PIB- acima de todas as previsões disponíveis no mercado.
Em suas estimativas (ver quadro nesta página), o governo trabalha com um aumento anual das despesas correntes de cerca de 4,5% acima da inflação, semelhante ao esperado para este ano. Esses gastos passariam de R$ 372,8 bilhões, em 2006, para R$ 481,5 bilhões em 2009.
No papel, a esperada redução dos valores em relação ao PIB só se dá com crescimento econômico de 4,5% neste ano, 4,75% em 2007, 5% em 2008 e 5,25% em 2009 -as previsões dos analistas ficam em torno de 3,5% anuais para todo o período.
Simulações simples mostram como a expansão do PIB tem papel fundamental no cenário traçado: se a economia seguir no ritmo esperado pelo mercado, já superior à media dos primeiros três anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, as despesas, em vez de cair, subirão para 18,35% do PIB em 2009; a uma velocidade de 4% ao ano, alta para 18% do produto; com 4,5%, os gastos praticamente se estabilizam nos atuais patamares recordes.

Conflito interno
"Nós contamos com o crescimento, sem ele fica tudo mais difícil", diz Paulo Bernardo, defensor da política de redução gradual das despesas permanentes em relação ao PIB. "Nós estudamos um meta de redução gradual de 0,2 [ponto percentual do PIB], mas as simulações indicaram que seria quase impossível."
Difícil ou impossível, qualquer meta esbarra na ausência de medidas efetivas para o controle de tais gastos, salvo propostas pontuais na LDO para limitar a concessão de novos benefícios aos servidores públicos. A tentativa de aprofundar o ajuste fiscal foi derrubada após conflitos internos no governo.
Bernardo e o ex-ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) defendiam a adoção de um programa destinado a atacar essas despesas, todas protegidas por dispositivos constitucionais que levam a seu aumento progressivo ao longo do tempo. Politicamente controversa, a idéia dependeria de cortes na área social e foi bombardeada pela chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que ganhou o apoio de Lula.

Cumprir a meta
Como Dilma, o sucessor de Palocci, Guido Mantega, repete que basta cumprir a meta de superávit primário (a economia de gastos destinada a abater a dívida pública) de 4,25% do PIB para garantir o equilíbrio fiscal, com a ajuda da queda do juro e -mais uma vez- da expansão econômica.
"O superávit é de 4,25% do PIB, mas tem gente que gostaria que fizéssemos um superávit maior. Quem são eles? São os ortodoxos. Então é bom que se diga. Eu não sou ortodoxo. Eles são aquelas pessoas que não gostam dos programas sociais que o governo faz. Não dizem isso claramente, mas falam dos gastos sociais, que estariam aumentando", disse Mantega anteontem, nos EUA.
Os assim chamados ortodoxos -entre os quais se alinham, além de Bernardo, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles- avaliam que, sem deter a expansão das despesas correntes, a política fiscal prejudicará o crescimento da economia, fundamental na estratégia dos ditos desenvolvimentistas.
Por esse raciocínio, o aumento do gasto permanente obriga o governo a manter também em alta a carga tributária, já superior à de países com renda semelhante à do Brasil. Torna necessário, ainda, sacrificar o investimento público para cumprir a meta de superávit.

Previdência
Os números mostram que são os benefícios previdenciários os responsáveis pela elevação contínua das despesas correntes. Desde 1995, os demais componentes desse gasto estão praticamente estáveis, na casa dos 10% do PIB. Já a conta do Instituto Nacional do Seguro Social avançou, no período, de 4,8% para os 7,93% do PIB previstos para este ano.
Para 2007, estima-se nova alta, para 8,06% do PIB, mesmo com todo o otimismo nas projeções de crescimento econômico.
Não por acaso, já se avalia no mercado que o conflito entre ortodoxos e desenvolvimentistas num eventual segundo mandato de Lula começará pelo debate de uma nova reforma da Previdência. Neste ano eleitoral, obviamente, o tema é proibido.


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