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CRISE NO AR
Empresa não cortou custos, sofreu com problemas de administração e estimulou corporativismo
Viés estatal-sindicalista afunda Varig
ELVIRA LOBATO
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO
A maior companhia da história
da aviação brasileira está em ruína por ter reproduzido vícios de
má administração estatal e por ter
estimulado o corporativismo típico de entidade sindical, sendo
uma empresa privada.
Controlada acionariamente pelos empregados, por meio da
Fundação Ruben Berta, a Varig
deixou que seus problemas se
avolumassem e esperou por uma
solução salvadora do Estado, que
não veio. Tudo indica que não sobreviverá para completar 80 anos
em 2007 -caso não seja vendida.
A Varig não se ajustou para enfrentar as crises conjunturais do
mercado de aviação e o aumento
da concorrência. Para 54 aeronaves em operação, possui 9.400
empregados, dos quais 1.400 são
pilotos e co-pilotos.
Na TAM, a proporção era de
1.034 pilotos e co-pilotos para 79
aviões no ano passado, segundo
dados do balanço financeiro. Hoje, a TAM tem um total de 9.669
empregados para 81 aeronaves.
A Varig tem média de quase 26
pilotos por avião (13 da TAM).
Em 2003, o número de funcionários por aeronave da Varig (201)
era mais do que o dobro do da
TAM (88) e do da Gol (85), mostra tese de doutorado defendida
na Escola Politécnica da USP pelo
professor Antonio Henriques de
Araújo Jr., da Unesp.
Ouvidos pela Folha, ex-presidentes da empresa, como Ozires
Silva, dizem que os funcionários
não permitiram demissões ou
ajustes. Ozires lembra frase de
Ruben Berta: "Quando criou a
fundação e passou aos empregados a propriedade, ele disse que a
Varig somente cairia se os empregados assim deixassem. Parecem
palavras proféticas".
Arnim Lore, que deixou a presidência após o conselho curador
da FRB ter recusado um acordo
com credores, ressalta o custo financeiro da empresa. "Os gastos a
prejudicavam em relação a outras
empresas. Havia uma série de
problemas: incapacidade financeira, gestão e eficiência."
Os governos dos últimos 24
anos também são responsabilizados, por ex-dirigentes, pelos problemas da Varig. Sustentam que a
origem da crise está na defasagem
dos preços das passagens acumulada nos governos de José Sarney
(1985-90) e Fernando Collor
(1990-92) e que a empresa foi instrumento de política externa, tendo sido levada a operar rotas deficitárias para a África e a América
Latina por mais de dez anos.
Gestão e planejamento
A abertura do mercado, principalmente nas rotas para EUA e
Europa, surpreendeu a companhia, que esperava compensar o
preço elevado da passagem com a
qualidade do serviço. As tarifas
desabaram, e a Varig nunca fez
um sério controle de custos.
Até 2005, havia mais de cem
pessoas na companhia com poder
de autorizar passagens gratuitas.
"Os salários eram menos vinculados a horas de vôo e acima da média do mercado", afirmou um dos
ex-dirigentes. A maioria prefere
não se identificar ao comentar a
situação da empresa.
Mas alguns, como o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa,
que defende a ajuda do governo à
Varig, atacam abertamente, culpando a FRB pelos problemas de
gestão e acusando o acionista
controlador de ter permitido "as
mais altas comissões de companhia aérea para as agências de viagens, que surgiam de primos,
amigos e parentes dos dirigentes". Lessa foi presidente do
BNDES em 2003 e 2004 e negociou com o controlador da Varig.
Presidente da empresa entre
2000 e 2002, Ozires acha que o
principal aspecto negativo da
companhia é a governança corporativa. "Os empregados não querem ceder nada. O plano de demissões voluntárias que propus
não foi aceito pela empresa, controlada por funcionários. Eles disseram não, e assim foi."
Apesar disso, defende a participação do governo na recuperação
da empresa e na salvação da marca. "A sacudida que a Varig está
levando agora é para optar entre o
aspecto corporativo e as garantias
de emprego. É um momento de
reflexão, de salvar os empregos."
Passivo a descoberto
O último balancete financeiro
da Varig, de setembro de 2005,
mostra um passivo a descoberto
de R$ 7,2 bilhões. Significa que, se
todos os ativos forem vendidos
pelo valor contábil, esse é o valor
que faltará para pagar as dívidas.
De 1990 para cá, ela só teve lucro
em 1994 (US$ 202 milhões) e em
1997 (US$ 25 milhões). Todos os
demais anos terminaram no vermelho e com um rombo cada vez
maior. Desde 1999, tem déficit
operacional. Ou seja, além das dívidas que já tem, seu funcionamento dá prejuízo. A participação
no mercado doméstico, hoje, caiu
a menos de 19%.
A maior parte (64%) das dívidas
da Varig é com o governo e com
empresas estatais. O segundo
maior credor é o fundo de pensão
Aerus. Esse perfil de dívida contribuiu para a atitude da empresa
de aguardar uma solução do Estado para os problemas, em vez de
impor sacrifícios contra a crise.
Governo militar
O rombo da Varig começou a se
formar no governo João Baptista
Figueiredo (1979-85), quando ela
encomendou à Boeing cinco 747-300, com financiamento japonês.
O México declarara moratória, e
os EUA suspenderam os empréstimos às empresas brasileiras.
A empresa foi autorizada a buscar crédito no Japão. Com a valorização do iene, o custo das aeronaves duplicou em dólar. Em
1999, quando os aviões foram desativados e devolvidos, ficou uma
dívida de US$ 250 milhões.
Luiz Martins, que presidiu a Varig de 2003 a 2005, aponta a política de reserva de informática, dos
anos 80, como outro fator negativo sobre a empresa. Segundo ele,
enquanto a importação de computadores esteve proibida, ela "fabricou" computadores para informatizar as agências de viagem.
"É injusto atribuir a crise da Varig
à má gestão. Nenhuma companhia chega a um déficit de R$ 7 bilhões apenas por incompetência."
Reajuste de tarifas
Na gênese da crise da Varig há
outro fator atribuído ao governo:
o descasamento entre o reajuste
das passagens e o aumento do
custo dos insumos, principalmente do querosene.
A Varig reivindica na Justiça a
reposição de perdas sofridas entre
1986 (início do Plano Cruzado) e
1991 (governo Collor) por insuficiência de reajuste tarifário. Na
ocasião, a empresa calculou suas
perdas em US$ 986 milhões.
O STJ (Superior Tribunal de
Justiça) deu ganho à Varig, mas a
União recorreu ao STF (Supremo
Tribunal Federal). Segundo a
Fundação Getulio Vargas, a reposição pedida soma R$ 4,4 bilhões.
Paternalismo
Em 1982, o fundo Aerus foi criado com vantagens para os empregados que só uma estatal se permitiria. Além da contribuição do
patrocinador e dos empregados, o
governo criou taxa adicional de
3% sobre o valor das passagens
dos vôos domésticos para capitalizar o fundo. Previu-se, na época,
que a taxa perduraria por 30 anos,
mas foi extinta após oito anos.
Funcionários conseguiram se
aposentar, nos anos 80, com apenas três anos de contribuição. Por
muito tempo, o fundo ofereceu
pecúlio por morte bancado somente pela Varig. O plano atuarial previa contribuição dos aposentados de 7,6% sobre o valor do
benefício, que foi derrubada em
86, por pressão dos funcionários.
O cálculo da aposentadoria começou limitado a dois tetos do
benefício oferecido pelo INSS e
acabou liberado em 1989, o que
elevou o fosso entre o patrimônio
e os compromissos assumidos.
Trem descarrilhado
A Varig, segundo informações
de executivos que já estiveram em
seu comando, assemelha-se a um
trem descarrilhado, sem a mínima estabilidade. De 2000 para cá,
a empresa teve nove presidentes.
Os empregados se dividem em
várias facções que se atacam.
"As diretorias do sindicato, da
Associação dos Pilotos, da Fundação Ruben Berta e do Aerus estão
em constante luta política e influenciam na empresa. Tudo na
Varig é para o curto prazo, não há
tempo para decisões estratégicas", diz um ex-presidente que
não quis ser identificado.
No seu jingle mais famoso, de
1967, a Varig era a "estrela brasileira no céu azul, iluminando de
Norte a Sul". Uma versão atualizada poderia cantar uma estrela
cadente em céu nublado, se apagando de Norte a Sul.
Colaboraram Leo Gerchmann,
da Agência Folha, e Maeli Prado,
da Reportagem Local
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