São Paulo, sexta-feira, 23 de abril de 2010

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Garimpos e olarias do rio Xingu podem desaparecer com construção da usina

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O comprador Jair Alves Né, índio da etnia Xipaia, pesa o ouro extraído do Garimpo do Galo (no rio Xingu), que será afetado pela construção de Belo Monte

AGNALDO BRITO
ENVIADO ESPECIAL A ALTAMIRA (PA)

Dois quilos de ouro puro por mês. A produção no Garimpo do Galo já foi melhor, mas é ainda a única atividade que sustenta 60 famílias naquela localidade. Uma vila isolada entre a floresta amazônica e o rio Xingu, a cerca de 70 quilômetros de Altamira, no Pará, e a pouco mais de dez quilômetros rio acima da barragem de Belo Monte, a obra que vai mudar a história da região.
A preocupação ali é a hidrelétrica. Pelo projeto, o paredão de Belo Monte vai comprometer a logística de abastecimento do garimpo. "O governo acha que atingido por barragem é só quem fica no alagamento. Aqui embaixo vai ficar seco e isso ninguém diz nada. Como se navega com o rio seco? Aliás, como se produz ouro sem água?", questiona Josué de Sousa Pinto, um ex-garimpeiro e vereador de Altamira.
Por enquanto, a rotina segue no Garimpo do Galo. Para tirar ouro, é preciso dinamitar a rocha, formando buraco de até 300 metros de profundidade. A rocha bruta é partida para a extração do pó de ouro. "Já passei por muitos garimpos. Então, se fraquejar esse, parto para outro. Trabalhar na obra de Belo Monte é que não vou", diz Misca, ou Aldacir Ribeiro, 46.
Na vila do Galo, Pexada, apelido de Jair Alves Né, 47, índio da etnia Xipaia, acha que o futuro ficou mais incerto. Pexada é um dos compradores do ouro, além de dono de um armazém-boteco ponto de encontro de garimpeiros. "O problema é o transporte. Estrada não tem, e sem o rio vai todo mundo ficar ilhado", diz. A produção de ouro tem caído, mas é a única moeda da região. Ao pesar o ouro comprado há pouco, Pexada diz: "É nosso dinheiro. Sem ouro, isso vai acabar".
É o que vai ocorrer com a atividade oleira, na produção de tijolos. No estudo de impacto ambiental, a previsão é que a atividade seja transferida para outro local e os proprietários das áreas, indenizados. O local, ninguém sabe. Para os oleiros, não existe outra área.
A argila renovada pelo rio Xingu durante o inverno para ser explorada no verão só é encontrada nesses alagados. "Dizem que vão transferir a gente, mas não existe outro lugar onde encontrar esse tipo de barro. O caso vai ser mudar de ramo. Para qual? Não sei", diz Ruivan Ribeiro dos Santos, 39.
No caso dos oleiros, a situação é pior. A atividade não é regulamentada, embora um projeto de lei que resolve essa questão esteja no Congresso. O problema é que o reconhecimento dessa atividade, tão antiga, poderá vir quando o lado da usina de Belo Monte invadir a reserva de argila.


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