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OPINIÃO ECONÔMICA
O efeito FHC
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Ultimamente , tem-se falado muito no "efeito Lula". O
coitado ainda não é (e talvez nunca chegue a ser) presidente da República, mas já produz os seus efeitos econômicos e impactos sobre as
expectativas dos mercados, prenunciando (segundo alguns) futuras catástrofes à moda argentina.
Lula tem feito enorme e comovente esforço para neutralizar essa
onda e tornar-se palatável ao "establishment". Segundo publicou a
Folha (e não houve desmentido), o
candidato do PT chegou a dizer
que não é contra a Alca, pois isso
significaria "ser contra uma política de livre comércio". Declarou,
também, que renovará o acordo
com o FMI, porque pretende "assumir os compromissos assumidos
por este país". Porta-vozes econômicos do partido asseguram que o
PT manterá o modelo de metas
para a inflação e a política de superávits fiscais primários. Só falta
prometer que Pedro Malan continuará ministro da Fazenda.
Não obstante, a onda continua.
Os elevados prêmios de risco pagos
pelo Brasil vêm sendo atribuídos à
insegurança provocada pela falta
de consistência das propostas econômicas de Lula e outros candidatos de oposição. O "efeito Lula" ganhou vida própria e parece operar
independentemente do que diga
ou prometa o líder nas pesquisas
de intenção de voto.
Não podemos esquecer, entretanto, que existe um efeito muito
mais palpável e danoso do que
qualquer outro. Afinal, trata-se de
um velho conhecido nosso: o efeito
FHC.
Talvez nunca tenha existido um
governo em que é tão grande a distância entre retórica e realidade. A
retórica é de austeridade, equilíbrio, disciplina. A realidade é, em
muitos aspectos, quase diametralmente oposta: déficits, instabilidade e fragilidade financeira.
A comparação dos indicadores
macroeconômicos brasileiros com
os de outros países não é, em geral,
favorável a nós. Peço a paciência
do leitor para mencionar alguns
exemplos.
O setor público brasileiro suporta hoje uma pesada carga de juros.
Levantamento publicado pelo
FMI, com dados para sete países
da América Latina (Argentina,
Brasil, Chile, Colômbia, México,
Peru e Venezuela) e cinco países
do Leste da Ásia (Coréia do Sul, Filipinas Indonésia, Malásia e Tailândia), mostra que o Brasil ocupa, nesse particular, posição de
grande destaque.
No período 1996-2000, a despesa
de juros do governo geral (incluindo governo central, governos estaduais e municipais) alcançou no
caso brasileiro 8% do PIB e 20,5%
do gasto público total. Nenhum
dos outros 11 países registra dados
próximos aos do Brasil. A média
simples para a carga de juros do
governo geral dos outros países latino-americanos foi de 2,6% do
PIB e 10,9% do gasto público total
nesse período. Para os asiáticos,
2,3% do PIB e 10,4% do gasto público (ver "World Economic Outlook", abril de 2002, capítulo II,
tabela 2.4, www.imf.org).
Alega-se, às vezes, que a dívida
pública brasileira não é elevada
para padrões internacionais. Isso
era certamente verdade no início
da era FHC. Com o passar dos
anos e o rápido crescimento da dívida, a afirmação já não é tão válida. No Brasil, a dívida bruta do governo geral alcançou nada menos
que 71,3% do PIB no fim do ano
passado (ver Banco Central do
Brasil, "Nota para a Imprensa: Política Fiscal", 25 de abril de 2002,
quadro XXXIX, www.bcb.gov.br).
Nos EUA, por exemplo, o dado correspondente para fins de 2001 foi
55,4% do PIB. Na Alemanha, na
França e no Reino Unido, a dívida
bruta do governo geral também é
menor do que no Brasil ("World
Economic Outlook", capítulo 1, tabela 1.1).
Em alguns países desenvolvidos
(Canadá, Itália e Japão, por exemplo), o governo geral apresenta um
nível de endividamento bruto mais
elevado do que no caso brasileiro.
Mas, mesmo nesses países, a fragilidade financeira do setor público
não é um problema tão grave
quanto no Brasil. No nosso caso, a
dívida é de prazo mais curto e carrega taxas de juro muito mais altas. E o risco de que surjam dificuldades de refinanciamento é mais
elevado.
No que diz respeito às contas externas, o Brasil também não se sai
bem em comparações internacionais. Projeções para 2002 referentes a um conjunto de 25 economias
"emergentes", publicadas pela revista "The Economist", indicam
que só dois (Polônia e República
Tcheca) apresentarão déficits em
conta corrente superiores ao do
Brasil como percentagem do PIB.
Nesse levantamento, as economias
do Leste da Ásia aparecem todas
com posição superavitária, assim
como a Argentina, a Venezuela e a
Rússia (ver "Emerging-market indicators", edição de 27 de abril, p.
106).
Em termos de crescimento econômico, a nossa "performance" relativa também tem sido sofrível.
Em 2000 e 2001, o PIB dos países
em desenvolvimento cresceu 5,7%
e 4%, em média. O do Brasil, 4,4%
e 1,5% ("World Economic Outlook", apêndice estatístico, tabelas
5 e 6).
A comparação não nos favorece
nem mesmo em termos de inflação, cujo controle é a grande realização da era FHC. A taxa de inflação média (preços ao consumidor)
nos países em desenvolvimento foi
de 6,1% em 2000 e 5,7% em 2001.
No Brasil, 7% e 6,8%, respectivamente (mesma fonte, apêndice estatístico, tabelas 11 e 12).
Mas, em tempos de eleição, nada
disso importa. O governo continuará ministrando, sem pestanejar, as suas lições de sucesso, responsabilidade e seriedade.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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