São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

O efeito FHC

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ultimamente , tem-se falado muito no "efeito Lula". O coitado ainda não é (e talvez nunca chegue a ser) presidente da República, mas já produz os seus efeitos econômicos e impactos sobre as expectativas dos mercados, prenunciando (segundo alguns) futuras catástrofes à moda argentina.
Lula tem feito enorme e comovente esforço para neutralizar essa onda e tornar-se palatável ao "establishment". Segundo publicou a Folha (e não houve desmentido), o candidato do PT chegou a dizer que não é contra a Alca, pois isso significaria "ser contra uma política de livre comércio". Declarou, também, que renovará o acordo com o FMI, porque pretende "assumir os compromissos assumidos por este país". Porta-vozes econômicos do partido asseguram que o PT manterá o modelo de metas para a inflação e a política de superávits fiscais primários. Só falta prometer que Pedro Malan continuará ministro da Fazenda.
Não obstante, a onda continua. Os elevados prêmios de risco pagos pelo Brasil vêm sendo atribuídos à insegurança provocada pela falta de consistência das propostas econômicas de Lula e outros candidatos de oposição. O "efeito Lula" ganhou vida própria e parece operar independentemente do que diga ou prometa o líder nas pesquisas de intenção de voto.
Não podemos esquecer, entretanto, que existe um efeito muito mais palpável e danoso do que qualquer outro. Afinal, trata-se de um velho conhecido nosso: o efeito FHC.
Talvez nunca tenha existido um governo em que é tão grande a distância entre retórica e realidade. A retórica é de austeridade, equilíbrio, disciplina. A realidade é, em muitos aspectos, quase diametralmente oposta: déficits, instabilidade e fragilidade financeira.
A comparação dos indicadores macroeconômicos brasileiros com os de outros países não é, em geral, favorável a nós. Peço a paciência do leitor para mencionar alguns exemplos.
O setor público brasileiro suporta hoje uma pesada carga de juros. Levantamento publicado pelo FMI, com dados para sete países da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela) e cinco países do Leste da Ásia (Coréia do Sul, Filipinas Indonésia, Malásia e Tailândia), mostra que o Brasil ocupa, nesse particular, posição de grande destaque.
No período 1996-2000, a despesa de juros do governo geral (incluindo governo central, governos estaduais e municipais) alcançou no caso brasileiro 8% do PIB e 20,5% do gasto público total. Nenhum dos outros 11 países registra dados próximos aos do Brasil. A média simples para a carga de juros do governo geral dos outros países latino-americanos foi de 2,6% do PIB e 10,9% do gasto público total nesse período. Para os asiáticos, 2,3% do PIB e 10,4% do gasto público (ver "World Economic Outlook", abril de 2002, capítulo II, tabela 2.4, www.imf.org).
Alega-se, às vezes, que a dívida pública brasileira não é elevada para padrões internacionais. Isso era certamente verdade no início da era FHC. Com o passar dos anos e o rápido crescimento da dívida, a afirmação já não é tão válida. No Brasil, a dívida bruta do governo geral alcançou nada menos que 71,3% do PIB no fim do ano passado (ver Banco Central do Brasil, "Nota para a Imprensa: Política Fiscal", 25 de abril de 2002, quadro XXXIX, www.bcb.gov.br). Nos EUA, por exemplo, o dado correspondente para fins de 2001 foi 55,4% do PIB. Na Alemanha, na França e no Reino Unido, a dívida bruta do governo geral também é menor do que no Brasil ("World Economic Outlook", capítulo 1, tabela 1.1).
Em alguns países desenvolvidos (Canadá, Itália e Japão, por exemplo), o governo geral apresenta um nível de endividamento bruto mais elevado do que no caso brasileiro. Mas, mesmo nesses países, a fragilidade financeira do setor público não é um problema tão grave quanto no Brasil. No nosso caso, a dívida é de prazo mais curto e carrega taxas de juro muito mais altas. E o risco de que surjam dificuldades de refinanciamento é mais elevado.
No que diz respeito às contas externas, o Brasil também não se sai bem em comparações internacionais. Projeções para 2002 referentes a um conjunto de 25 economias "emergentes", publicadas pela revista "The Economist", indicam que só dois (Polônia e República Tcheca) apresentarão déficits em conta corrente superiores ao do Brasil como percentagem do PIB. Nesse levantamento, as economias do Leste da Ásia aparecem todas com posição superavitária, assim como a Argentina, a Venezuela e a Rússia (ver "Emerging-market indicators", edição de 27 de abril, p. 106).
Em termos de crescimento econômico, a nossa "performance" relativa também tem sido sofrível. Em 2000 e 2001, o PIB dos países em desenvolvimento cresceu 5,7% e 4%, em média. O do Brasil, 4,4% e 1,5% ("World Economic Outlook", apêndice estatístico, tabelas 5 e 6).
A comparação não nos favorece nem mesmo em termos de inflação, cujo controle é a grande realização da era FHC. A taxa de inflação média (preços ao consumidor) nos países em desenvolvimento foi de 6,1% em 2000 e 5,7% em 2001. No Brasil, 7% e 6,8%, respectivamente (mesma fonte, apêndice estatístico, tabelas 11 e 12).
Mas, em tempos de eleição, nada disso importa. O governo continuará ministrando, sem pestanejar, as suas lições de sucesso, responsabilidade e seriedade.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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