São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Acordo livra a cara do Merrill, mas não a dos investidores

GRETCHEN MORGENSON
DO "NEW YORK TIMES"

Em seu acordo com Eliot L. Spitzer, o secretário da Justiça do Estado de Nova York, o banco de investimentos Merrill Lynch certamente se saiu bem em termos institucionais. Mas ainda não está definido se o resultado será uma vitória igualmente importante para os investidores que desejam que os analistas de pesquisas do banco falem claro sobre as ações que estudam.
A cultura do "nós primeiro" que prevalece em Wall Street criou profundos conflitos entre os analistas de pesquisas, e esses conflitos contribuíram para bilhões de dólares em prejuízos dos investidores durante a mania de ações da virada do século. E culturas tão duradouras raramente são reformadas de uma vez.
É certo que o acordo está longe de ser a última batalha que o Merrill terá de lutar sobre a perturbadora simbiose que parece ter surgido entre os departamentos de análise de pesquisas e as divisões operacionais dos bancos de investimentos no final dos anos 90. A empresa continua vulnerável a numerosos processos de pessoas que tentam recuperar prejuízos sofridos depois de comprarem ações com base em pesquisas oferecidas pelo Merrill, recomendações que a empresa alega não sofrerem quaisquer influências.
Ainda assim, o acordo é bastante atraente para a Merrill, maior corretora de valores dos Estados Unidos. Primeiro, a multa de US$ 100 milhões não será muito pesada para os seus cofres. Segundo o mais recente balanço anual da empresa, US$ 100 milhões é menos de um terço do que o grupo pagou por materiais de escritório e despesas postais em 2001. E o acordo da Merrill para separar a remuneração dos analistas de seus honorários como banco de investimentos em operações de colocação de ações e bônus e para criar um novo comitê de supervisão das recomendações de pesquisa permitirá que ela pareça superior aos seus concorrentes em Wall Street, que continuam a fazer negócios da maneira anterior.
O Merrill Lynch rapidamente divulgou comunicado alegando que seu acordo com Spitzer "não representa prova ou admissão de culpa ou de responsabilidade", mas a empresa se desculpou para com seus clientes pelas "mensagens inapropriadas" reveladas durante a investigação, e disse lamentar que em certos analistas de internet do grupo tivessem expressado opiniões que "podem ter parecido inconsistentes com as recomendações publicadas pelo Merrill Lynch".
"Eu gostaria de poder dizer que a direção da empresa está sendo sincera sobre a mudança de sua cultura de pesquisa", afirma Gary Vineberg, ex-analista do Merrill Lynch que hoje dirige a Cyrano Equity Research, uma empresa de pesquisa de Nova York. "As pressões regulatórias externas estão forçando Wall Street a mudar. Mas para desenvolver uma verdadeira cultura profissional de pesquisa, sob a qual os interesses dos investidores venham em primeiro lugar, as empresas mesmas precisam mudar."
Dirigentes do Merrill declaram em seu comunicado que a empresa "sempre teve normas e procedimentos em vigor para proteger a integridade de nossos analistas de pesquisas". Mas ao concordar em criar um comitê que revise as recomendações de seus analistas, a empresa parecia estar reconhecendo que sua equipe de pesquisas passada não foi vigilante o bastante. O Merrill afirma que as negociações com Spitzer fizeram com que "reforçasse as muralhas de isolamento entre o departamento de pesquisa e as operações do banco de investimentos".
Duas mudanças com as quais o Merrill concordou parecem ter por objetivo lembrar aos analistas que os interesses dos investidores devem ser levados em conta. Ao separar a remuneração dos analistas das receitas do setor de banco de investimentos na companhia, diz a Merrill, o pagamento dos analistas agora será determinado apenas com base nas atividades empreendidas em benefício dos investidores.
O presidente do comitê de recomendações será pago primordialmente com base no desempenho das recomendações de investimento, o que fará com que o foco esteja no desempenho das ações recomendadas, e não no potencial de transações para o banco de investimentos.
Embora a empresa não se admita culpada, advogados especialistas em valores mobiliários dizem que o Merrill provavelmente terá de responder a processos judiciais "Não existe nenhuma admissão de responsabilidade, e ninguém conseguirá provar um caso que não seja justificado", disse Lewis Lowentels, especialista em lei de valores, de Nova York. "Mas a atmosfera será favorável aos queixosos devido à publicidade".
Não será possível concluir se o Merrill cumprirá a promessa de uma nova abordagem. Isso só se tornará evidente quando os preços das ações voltarem a esquentar. Só então, quando os honorários por serviços de banco de investimentos estiverem entrando, os investidores poderão conferir o que acontece.


Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Retórica e realidade
Próximo Texto: Luís Nassif: Uma instituição nacional
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.