São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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MERCADO EM TRANSE

Desvinculamento de receitas vai expirar também

Novo governo vai ter de achar alternativa à CPMF

SÍLVIA MUGNATTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Além da desconfiança dos investidores sobre a rolagem da dívida pública, o próximo governo terá de enfrentar obstáculos na administração das contas públicas em 2003. Logo depois da posse, já terá de providenciar um substituto para a arrecadação da CPMF (imposto do cheque) e contornar o fim da DRU (Desvinculação das Receitas da União).
Dois dos pilares do ajuste fiscal do governo FHC, as medidas vão expirar em breve. De herança, o sucessor terá, porém, o compromisso de produzir economia de gastos (superávit primário) equivalente a 3,75% do PIB no primeiro ano de mandato.
A receita da CPMF cairá de R$ 22 bilhões em 2003 para R$ 5 bilhões em 2004 por causa da redução da alíquota de 0,38% para 0,08%. A sobrevida recentemente aprovada está prevista para terminar em dezembro do segundo ano do mandato do sucessor.
O discurso dos pré-candidatos à Presidência gira em torno de uma reforma tributária que permita a substituição da receita.
Já a DRU, que dá ao governo mais liberdade na administração dos gastos públicos, vem sobrevivendo desde 94 por causa da necessidade de remanejar recursos orçamentários.
O mecanismo permite que impostos vinculados a determinados gastos tenham 20% de sua arrecadação liberada, mas termina no final de 2003.
O percentual recai hoje sobre um volume de R$ 165 bilhões em receitas tributárias líquidas (descontadas as transferências para Estados e municípios).
Os problemas foram lembrados neste mês pelo ministro do Planejamento, Guilherme Dias.
"Sem isso, o governo terá que emitir dívida para pagar pessoal", afirma o criador da desvinculação, o economista Raul Velloso.
Nos últimos anos, além de privilegiar o aumento da carga tributária via contribuições sociais (que são vinculadas a gastos na seguridade social, mas não precisam ser divididas com Estados e municípios), o governo e o Congresso Nacional criaram mais vinculações, na contramão da maior liberdade de gastos.
Em 2000, o Congresso aprovou emenda que obriga o governo a elevar os recursos para a saúde no mesmo ritmo do crescimento da economia. Nesse caso, a vinculação é nas despesas.
Também a Cide (imposto dos combustíveis), que entrou em vigor em 2002, é vinculada a despesas de transportes e ambiente.
No caso da CPMF, o maior desafio é aprovar um sistema tributário que possa ser testado antes de 2004. Ou seja, além de substituir a receita da CPMF, o novo sistema terá de manter o nível de arrecadação dos outros impostos.
O Congresso já está analisando um projeto de lei, apoiado pelo governo, que tenta transformar duas contribuições sociais importantes -PIS/Pasep e Cofins- em tributos incidentes sobre o valor agregado.
Hoje essas contribuições incidem sobre o faturamento das empresas de maneira cumulativa. Ou seja, a incidência acontece sem levar em conta o imposto já pago em outras fases da produção. A idéia é descontar do faturamento as despesas que a empresa teve.
A mudança na tributação envolve recursos no montante de R$ 58 bilhões. De acordo com o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, a modificação deverá mexer com os preços porque as alíquotas terão que ser elevadas para manter a arrecadação.
O setor de serviços (escolas, hospitais) certamente pagará mais porque não tem muitas despesas para descontar.
Já o setor de combustíveis e o comércio varejista, por exemplo, provavelmente pagarão menos.
Neste ano, quando o governo teve que analisar a possibilidade de elevar outros impostos para substituir a CPMF (caso ela não fosse prorrogada a tempo de ficar em vigor sem interrupção), o ministro Guilherme Dias lembrou os impactos inflacionários das mudanças tributárias.
É que a CPMF já está "no preço" dos produtos. Ao passo que o aumento de algum outro tributo para substituí-la pode mexer com os preços sem que haja uma compensação perfeita.


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