São Paulo, terça-feira, 23 de junho de 2009

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BENJAMIN STEINBRUCH

Recaída


O maior perigo que o país corre, no momento, é confiar demais na ideia de que o pior da crise já passou

VOLTA E MEIA , em plena crise, aparecem boas notícias. Uma delas estava na Folha da última quinta-feira: a carga tributária brasileira caiu no primeiro trimestre. Não foi uma queda forte. Levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário mostrou que os brasileiros pagaram R$ 263,22 bilhões em impostos no primeiro trimestre, período em que o PIB foi estimado em R$ 684,61 bilhões. Ou seja, a carga atingiu 38,45% do PIB, meio ponto percentual abaixo da verificada no mesmo trimestre de 2008. Em valores, isso significa que o brasileiro teve um alívio tributário de R$ 3,5 bilhões no primeiro trimestre.
Entre as causas dessa redução da carga de impostos está a própria crise, que afetou a atividade produtiva e o recolhimento de tributos. Mas as desonerações tributárias seguramente tiveram um papel importante nessa tendência.
Uma das mais gratas lições práticas da atual crise é a comprovação do impacto dos cortes de impostos no estímulo à demanda e ao crescimento econômico.
A experiência com a redução do IPI dos automóveis é exemplar.
Em novembro, quando as notícias da crise semeavam pânico em todo o mundo, as vendas de carros desabaram no Brasil (166 mil unidades). A partir de dezembro, porém, quando o IPI foi reduzido, houve uma espécie de ressurreição do setor automotivo. Em março, foram vendidos 271 mil veículos e as vendas continuam aquecidas até agora. Já há fila de espera para a compra de alguns modelos populares.
O certo, para manter esse clima, é a prorrogação do incentivo.
O fenômeno se repete no setor de eletrodomésticos, também contemplado com redução do IPI. Em maio, as vendas da linha branca, principalmente de geladeiras e lavadoras de roupas, cresceram 20% em relação às de maio de 2008.
Nos últimos dias, as redes varejistas já encontram dificuldades para repor seus estoques desses produtos, porque a indústria foi pega de surpresa com a expansão das vendas. Há lojas com crescimento de mais de 50% na comercialização de geladeiras, por exemplo.
No caso dos materiais de construção, o efeito da redução do IPI ainda é pequeno. As vendas estão ainda 15% abaixo das do ano passado, mas o incentivo já provocou o crescimento de 5,5% de abril para maio. Outros setores da indústria continuam ainda muito debilitados, como os voltados para a produção de bens de capital e as cadeias produtivas dependentes de exportação. Para esses, além de possíveis desonerações, o enfrentamento da crise exige oferta de crédito e juros compatíveis com os demais concorrentes externos.
O perigo que o país corre, no momento, é confiar demais na ideia de que o pior já passou. Isso pode ser verdade para alguns setores, mas seguramente não é para toda a economia. E há ainda o risco de recaídas nos setores aquecidos. Faz sentido, portanto, pensar na utilização mais ampla do poderoso instrumento da desoneração fiscal.
A ideia de aliviar encargos das folhas de pagamento, que já esteve em análise, não pode ser abandonada. Ainda que as receitas públicas sejam reduzidas -a perda de arrecadação federal foi de 6,9% até maio em relação ao mesmo período de 2008-, haveria benefícios indiscutíveis para a produção e o emprego. E as contas públicas certamente poderão ser reequilibradas com cortes gerais de gastos correntes, como os previstos para reajustes de servidores, inaceitáveis na atual situação de crise.


BENJAMIN STEINBRUCH , 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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