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Mercosul sinaliza "flexibilizar posição"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS
O governo brasileiro começou
ontem a emitir sinais de que pode
acabar digerindo o "bode" colocado pela União Européia nas negociações com o Mercosul, na forma do parcelamento em dez anos
das cotas para produtos agrícolas.
"O Mercosul está disposto a flexibilizar a sua posição", disse Mário Mugnaini, secretário-geral da
Camex (Câmara de Comércio Exterior), grupo interministerial.
Como se daria a flexibilização?
Simples: o conceito do parcelamento, fortemente rejeitado anteontem, a ponto de o Mercosul
ter decidido suspender as negociações com os europeus, seria
aceito desde que as cotas fossem
bem mais suculentas do que as até
agora oferecidas, e o prazo, bem
menor que os dez anos mencionados pela União Européia. "Se,
por exemplo, oferecessem 90% de
uma boa cota agora e os outros
10% em cinco anos, eu seria um
tolo se não aceitasse, só porque o
conceito de escalonamento está
mantido", diz Mugnaini.
Mugnaini chegou a Bruxelas na
quarta-feira, depois que a suspensão das negociações já havia sido
decidida por iniciativa do Itamaraty. Como homem proveniente
do setor privado, assim como seu
chefe, o ministro Luiz Fernando
Furlan, passou a exercer todo o
pragmatismo próprio do empresariado, simbolizado por esta frase: "É melhor recuperar o futuro
do que ficar blasfemando sobre o
passado". Desde ontem, Mugnaini está empenhado em "recuperar
o futuro": reuniu-se com os representantes dos demais países
do Mercosul, para combinar um
esboço de calendário daqui para a
frente e para antecipar idéias para
digerir o "bode" europeu sem estragos mais consideráveis no estômago do Mercosul.
Aproximações
O princípio básico é o de que
ambos os lados explicitem melhor suas ambições e seus limites,
mesmo que reapresentem as propostas já postas à mesa.
Assim: o Mercosul dirá que
quer uma cota de 315 mil toneladas de carne, em vez das 100 mil
oferecidas pelos europeus. Mas
acrescentará que, se os europeus
cederem, estará disposto a ceder
também em alguma área que os
parceiros ambicionem muito.
"Fatalmente, as propostas não baterão 100% no primeiro momento, mas se trata de um processo de
aproximações sucessivas", diz o
secretário-geral da Camex.
Além disso, o Mercosul prepara-se para colocar à mesa o seu
próprio "bode", que ainda não está claramente desenhado, mas
também pode passar pelo escalonamento. Ou seja, em vez de entregar imediatamente algo muito
desejado pela UE, fazê-lo em dois,
cinco ou dez anos. Se não estiver à
mesa um "bode" do Sul, o risco
óbvio é o de que os europeus retirem o escalonamento, mas mantenham as cotas baixas e ainda peçam algo em troca da retirada.
"É uma armadilha em que não
podemos cair", diz Mugnaini.
De todo modo, a flexibilização
do Mercosul, até ser de fato oferecida aos europeus, passará por
um complexo processo de negociação.
Primeiro, será preciso aguardar
a reunião, em Genebra, na semana que vem, dos líderes políticos
das duas partes (o chanceler brasileiro Celso Amorim, presidente
de turno do Mercosul, e o comissário europeu para o Comércio,
Pascal Lamy, entre outros).
Deles, espera-se um empurrão
político para destravar a negociação, já que seus subordinados bateram no muro na quarta-feira.
É razoável supor que o impulso
político não faltará. Sempre que
Amorim se reúne com Lamy (ou
com o norte-americano Robert
Zoellick, no caso da negociação
da Alca), os dois lados manifestam o maior interesse em fechar
rapidamente uma e outra negociação. Depois, invariavelmente, a
negociação emperra.
Por isso, a segunda etapa será
submeter a flexibilização sugerida
por Mugnaini ao Gcex, o grupo
interministerial que cuida de comércio exterior. Se passar também por essa etapa, a proposta será finalmente negociada com os
sócios do Mercosul, em agosto,
em Brasília, nas vésperas da nova
reunião com os europeus, já marcada para o dia 9 do próximo mês.
Ironia
O que é irônico na negociação é
que, justo no momento do auge
da controvérsia, os dois lados
conseguiram ontem praticamente finalizar o capítulo do futuro e
incerto acordo que trata de solução de controvérsias. Ou, na prática, o tribunal das grandes e pequenas causas da eventual futura
área de livre comércio União Européia/Mercosul.
O mecanismo será, em princípio, bem mais rápido e mais barato do que o complexo processo similar existente na Organização
Mundial do Comércio.
Exemplo: na OMC, a média de
tempo que leva para se estabelecer uma investigação quando
existe uma controvérsia entre países é de nove meses. No caso do
bloco UE-Mercosul, será de apenas três meses.
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