São Paulo, sexta-feira, 23 de julho de 2004

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Mercosul sinaliza "flexibilizar posição"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS

O governo brasileiro começou ontem a emitir sinais de que pode acabar digerindo o "bode" colocado pela União Européia nas negociações com o Mercosul, na forma do parcelamento em dez anos das cotas para produtos agrícolas.
"O Mercosul está disposto a flexibilizar a sua posição", disse Mário Mugnaini, secretário-geral da Camex (Câmara de Comércio Exterior), grupo interministerial.
Como se daria a flexibilização? Simples: o conceito do parcelamento, fortemente rejeitado anteontem, a ponto de o Mercosul ter decidido suspender as negociações com os europeus, seria aceito desde que as cotas fossem bem mais suculentas do que as até agora oferecidas, e o prazo, bem menor que os dez anos mencionados pela União Européia. "Se, por exemplo, oferecessem 90% de uma boa cota agora e os outros 10% em cinco anos, eu seria um tolo se não aceitasse, só porque o conceito de escalonamento está mantido", diz Mugnaini.
Mugnaini chegou a Bruxelas na quarta-feira, depois que a suspensão das negociações já havia sido decidida por iniciativa do Itamaraty. Como homem proveniente do setor privado, assim como seu chefe, o ministro Luiz Fernando Furlan, passou a exercer todo o pragmatismo próprio do empresariado, simbolizado por esta frase: "É melhor recuperar o futuro do que ficar blasfemando sobre o passado". Desde ontem, Mugnaini está empenhado em "recuperar o futuro": reuniu-se com os representantes dos demais países do Mercosul, para combinar um esboço de calendário daqui para a frente e para antecipar idéias para digerir o "bode" europeu sem estragos mais consideráveis no estômago do Mercosul.

Aproximações
O princípio básico é o de que ambos os lados explicitem melhor suas ambições e seus limites, mesmo que reapresentem as propostas já postas à mesa.
Assim: o Mercosul dirá que quer uma cota de 315 mil toneladas de carne, em vez das 100 mil oferecidas pelos europeus. Mas acrescentará que, se os europeus cederem, estará disposto a ceder também em alguma área que os parceiros ambicionem muito. "Fatalmente, as propostas não baterão 100% no primeiro momento, mas se trata de um processo de aproximações sucessivas", diz o secretário-geral da Camex.
Além disso, o Mercosul prepara-se para colocar à mesa o seu próprio "bode", que ainda não está claramente desenhado, mas também pode passar pelo escalonamento. Ou seja, em vez de entregar imediatamente algo muito desejado pela UE, fazê-lo em dois, cinco ou dez anos. Se não estiver à mesa um "bode" do Sul, o risco óbvio é o de que os europeus retirem o escalonamento, mas mantenham as cotas baixas e ainda peçam algo em troca da retirada.
"É uma armadilha em que não podemos cair", diz Mugnaini.
De todo modo, a flexibilização do Mercosul, até ser de fato oferecida aos europeus, passará por um complexo processo de negociação.
Primeiro, será preciso aguardar a reunião, em Genebra, na semana que vem, dos líderes políticos das duas partes (o chanceler brasileiro Celso Amorim, presidente de turno do Mercosul, e o comissário europeu para o Comércio, Pascal Lamy, entre outros).
Deles, espera-se um empurrão político para destravar a negociação, já que seus subordinados bateram no muro na quarta-feira.
É razoável supor que o impulso político não faltará. Sempre que Amorim se reúne com Lamy (ou com o norte-americano Robert Zoellick, no caso da negociação da Alca), os dois lados manifestam o maior interesse em fechar rapidamente uma e outra negociação. Depois, invariavelmente, a negociação emperra.
Por isso, a segunda etapa será submeter a flexibilização sugerida por Mugnaini ao Gcex, o grupo interministerial que cuida de comércio exterior. Se passar também por essa etapa, a proposta será finalmente negociada com os sócios do Mercosul, em agosto, em Brasília, nas vésperas da nova reunião com os europeus, já marcada para o dia 9 do próximo mês.

Ironia
O que é irônico na negociação é que, justo no momento do auge da controvérsia, os dois lados conseguiram ontem praticamente finalizar o capítulo do futuro e incerto acordo que trata de solução de controvérsias. Ou, na prática, o tribunal das grandes e pequenas causas da eventual futura área de livre comércio União Européia/Mercosul.
O mecanismo será, em princípio, bem mais rápido e mais barato do que o complexo processo similar existente na Organização Mundial do Comércio.
Exemplo: na OMC, a média de tempo que leva para se estabelecer uma investigação quando existe uma controvérsia entre países é de nove meses. No caso do bloco UE-Mercosul, será de apenas três meses.


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