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São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2003

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POLÊMICA

Ministério da Agricultura reconhece, em documento, não ter controle sobre o produto modificado geneticamente

Governo ignora destino da soja transgênica

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os brasileiros estão provavelmente consumindo soja transgênica sem saber. O Ministério da Agricultura, em documento obtido pela Folha, reconhece que não tem controle sobre onde foi parar a soja geneticamente modificada, excepcionalmente liberada para comercialização neste ano.
"O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, até o momento, tem conferido aos grãos [transgênicos] comercializados, dentro de suas funções de rotina, o mesmo tratamento do grão convencional, sendo inviável a determinação precisa do destino da parcela transgênica", afirmam técnicos da Agricultura, em resposta a requerimento apresentado pelo deputado federal Edson Duarte (PV-BA).
A Agricultura não é o único ministério a não cumprir sua função. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), subordinada ao Ministério da Saúde, não está fiscalizando a rotulagem obrigatória dos produtos que podem conter soja transgênica.
"O nosso direito de escolha não está sendo respeitado. Não existe nenhum produto com rótulo", afirma o consultor técnico do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), Sezifredo Paz.
Um funcionário da Anvisa, com o compromisso de não ser identificado, afirmou que a agência não tomou até agora nenhuma providência para implementar a rotulagem exigida por lei. Segundo ele, ainda faltaria regulamentar os detalhes da rotulagem.
Para o Ministério da Justiça, com a legislação atual já poderia ser cobrada a rotulagem dos produtos que contêm transgênicos.

Descumprimento total
Quando o governo liberou, em meados de fevereiro, a comercialização da soja transgênica plantada no ano passado, havia um compromisso de criar mecanismos que garantissem ao consumidor todas as informações sobre o produto que seria vendido.
Até hoje o plantio de soja geneticamente modificada é proibido no país, pois o próprio governo não se decide se o produto é ou não seguro para o ambiente e para o consumo humano.
O arcabouço legal para liberar a soja transgênica temporariamente foi aprovado, mas nenhum dos direitos do consumidor está sendo respeitado. A Agricultura, por exemplo, deveria certificar os produtores que plantaram apenas soja convencional. Para evitar maiores burocracias, poderia também decretar que determinadas regiões são livres de transgênicos. Os produtos feitos a partir dessa soja seriam os únicos que poderiam ser vendidos com o rótulo "livre de transgênicos".
Até agora nenhuma certificação, que é opcional, foi feita. "Esclarecemos, entretanto, que a demanda por essa certificação [de soja convencional], até o momento, está sendo pequena e que a avaliação das certificações realizadas pelas entidades credenciadas ainda não está finalizada", respondeu o Ministério da Agricultura ao pedido de informações do deputado Duarte.
O Ministério da Agricultura também não tem controle sobre o uso de soja transgênica na ração animal. O decreto presidencial que estipulou as regras de rotulagem afirma que os consumidores têm o direito de saber se a carne que compra é de animais alimentados com soja transgênica.
Um dos técnicos da Agricultura disse à Folha que, após a liberação da comercialização, nem os produtores nem o ministério se preocuparam em fazer a segregação entre a soja transgênica e a convencional.
"As respostas que obtive do Ministério da Agricultura mostram que o governo não estava preparado para liberar a comercialização da soja e fazer cumprir a lei. Se não estava preparado, por que liberou?", pergunta Duarte.


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