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OPINIÃO ECONÔMICA
Aumentar o superávit primário?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Discute-se no governo a
conveniência de aumentar o
superávit primário das contas
públicas. Faria sentido? A interpretação mais plausível é que a
Fazenda estaria se sentindo obrigada a correr atrás do prejuízo
decorrente da elevação da taxa
básica de juro pelo Banco Central. Esse último começou a subir
os juros e indicou que pretende
realizar novos aumentos ao longo
dos próximos meses.
O impacto da alta dos juros sobre as finanças governamentais é
direto e significativo, uma vez
que existe uma dívida indexada à
taxa over/Selic superior a R$ 400
bilhões em mercado. Para manter
a relação dívida pública/PIB dentro da trajetória programada, o
governo aumentaria o superávit
primário como percentual do
PIB.
Um superávit primário mais
elevado pode até neutralizar o
efeito da política do BC sobre o
déficit e a dívida do setor público.
Por outro lado, tende a reforçar o
seu impacto contracionista sobre
a atividade econômica e o emprego. O aperto fiscal se adicionaria
ao aperto monetário, ameaçando
abortar a recuperação em curso
ou reduzi-la a proporções modestas.
Alguns economistas, especialmente do mercado financeiro,
acreditam que o anúncio de metas ainda mais ambiciosas para o
superávit primário traria enormes ganhos de confiança, uma
vez que a vulnerabilidade das
contas públicas é um dos grandes
problemas da economia brasileira. Uma política fiscal mais
agressiva, dizem eles, reduziria os
prêmios de risco e facilitaria o
abrandamento da política monetária.
Esses argumentos podem parecer convincentes, mas não passam de conjecturas. É impossível
avaliar com um mínimo de precisão os efeitos de um superávit primário mais alto sobre expectativas, confiança e inflação. Por outro lado, é muito claro e facilmente calculável o impacto de um aumento da taxa de juro sobre as finanças governamentais. E, no entanto, leitor, esses mesmos economistas do mercado financeiro raramente lembram a
"vulnerabilidade das contas públicas" quando se trata de discutir a conveniência de um aumento dos juros por parte do BC. Ao
contrário, costumam apoiar subidas de juros em quase uníssono...
Abro um pequeno parêntese.
Por falta de paciência com essas e
outras cacofonias é que a professora Maria da Conceição Tavares
decidiu anunciar, no último domingo, aqui na Folha, a sua despedida do debate macroeconômico. Esperemos que se trate de uma
despedida tipo daquelas do Pelé,
que marcava um "último" jogo,
vertia lágrimas em profusão e,
pouco tempo depois, reaparecia
em campo com todo o gás.
Volto ao superávit primário.
Não se deve perder de vista que a
meta atual para 2004 e os próximos anos, de 4,25% do PIB, já é
muito elevada e exige esforço
considerável, especialmente em
conjunturas de recessão ou crescimento lento. Nos anos recentes,
esse superávit tem subido continuamente como proporção do
PIB, de 3,64% em 2001 para
3,89% em 2002, 4,37% em 2003 e
4,65% no período de 12 meses encerrados em julho último.
Como foi possível alcançar esses
resultados? Por vários caminhos.
Menciono três dos mais importantes. Primeiro: com mais um
grande aumento da carga tributária bruta, que estava em
32,55% do PIB em 2000, chegou a
35,68% em 2003 e continua crescendo em 2004. Dificilmente se
encontrará um país de nível de
desenvolvimento semelhante ao
do Brasil que registre uma carga
de impostos e contribuições dessa
magnitude.
Segundo: com um regime de escassez para os programas sociais
e de combate à pobreza e à miséria. O governo Lula ainda não
disse a que veio em matéria de
distribuição de renda.
Terceiro: com a compressão dos
investimentos públicos, inclusive
os mais prioritários, aqueles que
recuperariam a deteriorada infra-estrutura de transportes e
energia do país.
Agora querem aumentar o superávit primário ainda mais? Como acreditar que o governo siga
esse caminho?
Afinal, não é esse o mesmo governo que está engajado, há algum tempo, em uma negociação
com o FMI para excluir do cômputo do superávit primário certos
investimentos em infra-estrutura? O presidente da República envolveu-se diretamente com o assunto e chegou a lançar uma
campanha internacional para
dobrar as resistências do Fundo a
uma flexibilização dos seus critérios contábeis. Essa flexibilização
permitiria a ampliação do investimento público, contribuindo
para destravar alguns dos principais gargalos à sustentação do
crescimento econômico.
Ora, tudo o mais constante, a
exclusão de certos investimentos
públicos da apuração do superávit primário não equivaleria a
uma diminuição desse superávit
tal como vinha sendo anteriormente calculado?
Aumentar a meta para o superávit primário é um verdadeiro
contra-senso. Seria o samba do
crioulo doido.
PS: Mal terminei este artigo,
chegou-me a notícia de que o ministro da Fazenda anunciou o
aumento da meta de superávit
primário de 4,25% para 4,5% do
PIB em 2004 e admitiu que a meta para 2005, de 4,25%, também
poderá ser revista. Mais um passo
na direção errada.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV- EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
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