São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Aumentar o superávit primário?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Discute-se no governo a conveniência de aumentar o superávit primário das contas públicas. Faria sentido? A interpretação mais plausível é que a Fazenda estaria se sentindo obrigada a correr atrás do prejuízo decorrente da elevação da taxa básica de juro pelo Banco Central. Esse último começou a subir os juros e indicou que pretende realizar novos aumentos ao longo dos próximos meses.
O impacto da alta dos juros sobre as finanças governamentais é direto e significativo, uma vez que existe uma dívida indexada à taxa over/Selic superior a R$ 400 bilhões em mercado. Para manter a relação dívida pública/PIB dentro da trajetória programada, o governo aumentaria o superávit primário como percentual do PIB.
Um superávit primário mais elevado pode até neutralizar o efeito da política do BC sobre o déficit e a dívida do setor público. Por outro lado, tende a reforçar o seu impacto contracionista sobre a atividade econômica e o emprego. O aperto fiscal se adicionaria ao aperto monetário, ameaçando abortar a recuperação em curso ou reduzi-la a proporções modestas.
Alguns economistas, especialmente do mercado financeiro, acreditam que o anúncio de metas ainda mais ambiciosas para o superávit primário traria enormes ganhos de confiança, uma vez que a vulnerabilidade das contas públicas é um dos grandes problemas da economia brasileira. Uma política fiscal mais agressiva, dizem eles, reduziria os prêmios de risco e facilitaria o abrandamento da política monetária.
Esses argumentos podem parecer convincentes, mas não passam de conjecturas. É impossível avaliar com um mínimo de precisão os efeitos de um superávit primário mais alto sobre expectativas, confiança e inflação. Por outro lado, é muito claro e facilmente calculável o impacto de um aumento da taxa de juro sobre as finanças governamentais. E, no entanto, leitor, esses mesmos economistas do mercado financeiro raramente lembram a "vulnerabilidade das contas públicas" quando se trata de discutir a conveniência de um aumento dos juros por parte do BC. Ao contrário, costumam apoiar subidas de juros em quase uníssono...
Abro um pequeno parêntese. Por falta de paciência com essas e outras cacofonias é que a professora Maria da Conceição Tavares decidiu anunciar, no último domingo, aqui na Folha, a sua despedida do debate macroeconômico. Esperemos que se trate de uma despedida tipo daquelas do Pelé, que marcava um "último" jogo, vertia lágrimas em profusão e, pouco tempo depois, reaparecia em campo com todo o gás.
Volto ao superávit primário. Não se deve perder de vista que a meta atual para 2004 e os próximos anos, de 4,25% do PIB, já é muito elevada e exige esforço considerável, especialmente em conjunturas de recessão ou crescimento lento. Nos anos recentes, esse superávit tem subido continuamente como proporção do PIB, de 3,64% em 2001 para 3,89% em 2002, 4,37% em 2003 e 4,65% no período de 12 meses encerrados em julho último.
Como foi possível alcançar esses resultados? Por vários caminhos. Menciono três dos mais importantes. Primeiro: com mais um grande aumento da carga tributária bruta, que estava em 32,55% do PIB em 2000, chegou a 35,68% em 2003 e continua crescendo em 2004. Dificilmente se encontrará um país de nível de desenvolvimento semelhante ao do Brasil que registre uma carga de impostos e contribuições dessa magnitude.
Segundo: com um regime de escassez para os programas sociais e de combate à pobreza e à miséria. O governo Lula ainda não disse a que veio em matéria de distribuição de renda.
Terceiro: com a compressão dos investimentos públicos, inclusive os mais prioritários, aqueles que recuperariam a deteriorada infra-estrutura de transportes e energia do país.
Agora querem aumentar o superávit primário ainda mais? Como acreditar que o governo siga esse caminho?
Afinal, não é esse o mesmo governo que está engajado, há algum tempo, em uma negociação com o FMI para excluir do cômputo do superávit primário certos investimentos em infra-estrutura? O presidente da República envolveu-se diretamente com o assunto e chegou a lançar uma campanha internacional para dobrar as resistências do Fundo a uma flexibilização dos seus critérios contábeis. Essa flexibilização permitiria a ampliação do investimento público, contribuindo para destravar alguns dos principais gargalos à sustentação do crescimento econômico.
Ora, tudo o mais constante, a exclusão de certos investimentos públicos da apuração do superávit primário não equivaleria a uma diminuição desse superávit tal como vinha sendo anteriormente calculado?
Aumentar a meta para o superávit primário é um verdadeiro contra-senso. Seria o samba do crioulo doido.
  PS: Mal terminei este artigo, chegou-me a notícia de que o ministro da Fazenda anunciou o aumento da meta de superávit primário de 4,25% para 4,5% do PIB em 2004 e admitiu que a meta para 2005, de 4,25%, também poderá ser revista. Mais um passo na direção errada.


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV- EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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