São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2004

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LUÍS NASSIF

A greve da Justiça

A greve do Judiciário paulista merece uma reflexão maior e lições a serem tiradas. Não se trata de uma mera questão salarial, como coloca o governador Geraldo Alckmin. É a mais longa greve já ocorrida no Poder Judiciário no Brasil. É a segunda greve de mais de 80 dias, no curto espaço de três anos.
Houve um erro básico na Constituição de 1988, que foi destinar recursos orçamentários ao Poder Judiciário, sem definir formas de aplicação. Um cheque em branco para um poder que não dispunha nem de experiência, nem de preparo, nem de mecanismos de gestão desses recursos. Até hoje o Poder não tem controladoria e gestão financeira eficientes para fiscalizar o uso desses recursos de forma centralizada.
A Justiça paulista é a maior do país. Tem direito a 6,5% da arrecadação do Estado -acima do limite legal de 6%. Também dispõe de receitas próprias, que não passam pelo Tesouro. O TJ (Tribunal de Justiça) administra cinco tribunais, três de Alçada mais o TRE (Tribunal Regional Eleitoral), num total de mais de 50 mil funcionários trabalhando em ambiente caótico. É das Justiças menos informatizadas do país. E lida com 12 milhões de processos.
O TJ controla uma massa de depósitos judiciais da ordem de R$ 8 bilhões, colocados na Nossa Caixa. Como a remuneração é insignificante (6% ao ano), permite um formidável lucro ao banco. Em troca, fez um convênio pífio -pelo qual a Nossa Caixa deveria informatizar o Judiciário-, de meros R$ 70 milhões por ano. Existe um Fundo de Modernização e Informatização do próprio TJ, constituído de taxas e tarifas extra-orçamentárias arrecadadas diretamente nos seus guichês. Nunca se procurou aplicá-lo de acordo com visão estratégica. Compram-se carros, mas não computadores.
Nos últimos anos, desembargadores foram alojados em prédios modernos nos Jardins, enquanto as sessões de julgamento são no centro velho, em prédios antigos, com computadores muitas vezes dos próprios funcionários. O chamado Anexo Fiscal, na rua Vergueiro, onde se processam as execuções fiscais estaduais e municipais, é um pardieiro, prédio completamente inadequado, onde centenas de milhares de processos se amontoam no chão de cada cartório.
Hoje em dia, é um poder com funcionalismo em excesso e trabalhando em condições subumanas, com algumas funções que foram superadas pelo tempo (como a do oficial de Justiça, incumbido de avisar as partes). E o poder tem uma dificuldade invencível em trabalhar com auto-regulação. Embora a maioria absoluta de juízes e desembargadores seja de pessoas honradas, não havia um mecanismo interno para, por exemplo, interromper a ação do juiz Nicolau, no episódio do TRT.
Se a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça não fosse tão trapalhona, já poderia ter se iniciado o grande pacto pela modernização do Judiciário, a partir do próprio Judiciário. Mas alguém precisa conduzir essa tarefa, que é trabalho para estadista.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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