São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2005

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Para Giambiagi, BC deve ser motivo de orgulho

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

Economista de carreira do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com passagem pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) nos anos FHC, Fabio Giambiagi acha que o Banco Central acertou ao perceber antes de todos o risco inflacionário que o levou a elevar a taxa de juro ao patamar de 19,75%, sem nenhum corte por 17 meses consecutivos. A taxa só caiu 0,25 ponto neste mês.
Giambiagi disse ainda que o BC indicou na ata do Copom, divulgada ontem, que poderá cortar de 0,25 a 0,5 ponto percentual em outubro. Segundo ele, o BC é uma das únicas instituições que "funcionam" no Brasil.

 

Folha - O sr. acha que a ata do Copom indica novas quedas da Selic?
Fábio Giambiagi -
Entendi a ata como um documento sóbrio, em tom moderado, com as chamadas de cautela de praxe, mas que seria consistente tanto com uma queda de 25 pontos quanto de 50 pontos na próxima reunião. Quero só chamar a atenção para a importância do tema fiscal. Enquanto o governo insistir em se negar a adotar para o futuro uma meta de superávit primário elevada, como a que na prática alcançará em 2005, o BC continuará a ser obrigado a trabalhar com o parâmetro oficial [de meta de superávit]. Assim, reduzir o superávit primário da ordem de 5% do PIB em 2005 para 4,25 % do PIB em 2006 será um desserviço ao combate à inflação. E é natural que o BC diga nas entrelinhas que, se a política fiscal for expansionista, o espaço para reduzir juros será menor. Se o governo adotasse uma meta de superávit primário de 5% para 2006, haveria uma larga avenida para reduzir juros. Com 4,25 %, a avenida será apenas uma rua.

Folha - O sr. acha que o BC poderia ter cortado os juros antes?
Giambiagi -
No Brasil, o Executivo tem dificuldades para executar o Orçamento porque, nas áreas setoriais, mesmo quando há recursos, falta competência técnica para colocar os investimentos em pé. O Legislativo tem dificuldades para legislar, porque, desde a votação das reformas em dezembro de 2003, o Congresso está praticamente paralisado, por uma razão ou outra, e pesquisas indicam que o cidadão tem dificuldades em acreditar na Justiça. O fato de termos uma instituição como o BC deveria ser motivo de orgulho. Seus diretores levam a sério o mandato recebido para atingir uma inflação que fique o mais próximo possível da meta. Em um país, portanto, onde o setor público funciona mal, o BC funciona: cumpre o que promete. Posso ter algumas ressalvas pontuais acerca de algumas das decisões do Copom tomadas ao longo de 2004 e 2005, mas são ressalvas no varejo e que considero sem importância. No atacado, o BC acertou. Percebeu antes da maioria o risco de aumento da inflação, parou de reduzir os juros quando o coro geral era para que continuasse a diminui-lo, teve coragem de aumentar a taxa quando fazer isso era um anátema e colhe hoje uma vitória contra a inflação, na qual há alguns meses ninguém acreditava. Os críticos do BC deveriam no mínimo ter a humildade de reconhecer alguns méritos no comportamento da instituição.

Folha - Mas não houve um excesso de conservadorismo?
Giambiagi -
Pessoalmente, entendo que não era necessário ter chegado aos 19,75%. Creio que a taxa poderia ter caído antes e francamente não acho uma inflação de 5,5% tão diferente de uma de 5,2%. São, entretanto, nuances, porque no atacado, sem dúvida, o BC acertou. E não faz muito sentido imaginar que, se a Selic tivesse parado em 19,25% ou tivesse caído em agosto, o PIB cresceria 4,5% no lugar 3,5%.

Folha - O que levou então a economia a crescer, especialmente no segundo trimestre, mesmo com a elevação dos juros?
Giambiagi -
Nós, os economistas, temos uma boa explicação para o arrefecimento do crescimento a partir do terceiro trimestre de 2004: o aperto monetário. E temos uma boa explicação para o crescimento do segundo trimestre de 2005: a expansão do crédito e o crescimento das exportações. O problema é que o aperto monetário continuou no segundo trimestre do ano e que o crédito e as exportações estão "bombando" sem parar desde 2003, ou seja, há um quebra-cabeça na dinâmica da economia ao longo dos últimos trimestres que ainda requer uma melhor explicação.

Folha - É possível chegar a qual nível de juros no fim do ano com o atual cenário de inflação e atividade?
Giambiagi -
Penso que o terreno está pavimentado para três cortes de 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões do Copom [que levariam a taxa a 18%], se não houver alguma "bomba" estourando no campo da política.


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