São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Educação e corrupção



Um senador por SP sentiu-se obrigado a inventar distinção inexistente entre a abstenção e o voto favorável a Calheiros

NOS ÚLTIMOS anos, economistas têm examinado as causas e as conseqüências da corrupção. Esses estudos indicam que a corrupção é mais comum em países mais pobres ou com menor nível educacional, mas, como os índices de corrupção são obtidos por meio de sondagens de consultores e empresários estrangeiros, é possível que parte dessa correlação reflita os preconceitos dos respondentes.
O ideal seria obter uma medida mais objetiva em cada país, tal como a taxa de indivíduos que são julgados culpados de corrupção, mas variações no rigor no combate a esse tipo de crime entre as nações tornam tais medidas pouco confiáveis. Se medirmos a corrupção no Brasil pelo número de políticos e funcionários públicos efetivamente condenados, o Brasil seria provavelmente julgado um dos países menos corruptos no mundo.
"Corruption in America", de E. Glaeser e R. Saks , da Universidade Harvard, mostra de forma mais convincente a conexão entre baixo nível educacional e a prevalência de práticas corruptas. Os pesquisadores utilizaram dados sobre servidores públicos municipais, estaduais e federais nos Estados Unidos que foram condenados pela Justiça federal americana por um crime relacionado à corrupção entre 1990 e 2002.
Como a Justiça federal americana é razoavelmente uniforme entre os Estados, a comparação de Glaeser e Saks é mais persuasiva. O número de condenações como proporção da população varia consideravelmente entre os Estados. Nos atrasados Mississippi e Louisiana, a taxa de condenação foi de nove servidores públicos por 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional, enquanto em Oregon essa proporção foi menor que uma por 100 mil.
Glaeser e Saks reconhecem que a corrupção provavelmente deprime os gastos em educação e que, portanto, a existência de uma correlação entre educação e honestidade dos servidores públicos não indica necessariamente que o baixo nível educacional cause um aumento na corrupção. Por isso aplicaram uma série de testes estatísticos que sugerem que, de fato, menor educação gera mais corrupção. Os pesquisadores de Harvard também documentaram que os Estados mais pobres são mais corruptos, mas que a educação dos habitantes de um Estado é um determinante mais importante do índice de corrupção do que a renda.
O nível de educação do eleitorado brasileiro ainda é baixo, mas está aumentando rapidamente. Em uma coluna nesta Folha sobre a Operação Navalha, escrevi que a reação da imprensa e do público mostrava que a complacência dos brasileiros com a corrupção parecia estar acabando e que o Brasil poderia estar passando por uma mudança cultural semelhante à que houve nos Estados Unidos no final do século 19, quando, depois de uma série de escândalos, os norte-americanos começaram a exigir dos seus políticos um nível de honestidade muito mais elevado.
Somente eleições futuras vão esclarecer se essa é uma visão exageradamente otimista do momento por que passa o país. O Senado absolveu Renan Calheiros (PMDB-AL), apesar da sua comprovada ligação com um lobista de uma empreiteira e indícios de que o patrimônio do congressista cresceu de forma incompatível com os seus rendimentos. Mas a votação precisou ser secreta, e um senador por São Paulo sentiu-se obrigado a inventar uma distinção inexistente entre a abstenção e o voto favorável a Calheiros.

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com


Texto Anterior: Governo procura justificar receita maior com IPOs
Próximo Texto: Pobreza cairá menos, dizem especialistas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.