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Pobreza cairá menos, dizem especialistas
Pesquisadores alertam para falta de mão-de-obra qualificada e fim dos efeitos redistributivos do aumento do salário mínimo
Número de pobres no país vem caindo nos últimos anos, mas essa queda pode não perdurar no futuro, afirmam economistas
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
Os brasileiros estão menos
pobres, mas a redução da desigualdade está sob risco.
Dois dos mais dedicados pesquisadores sobre a miséria e a
indigência nacionais fazem
dois alertas. "Não sei se o crescimento sustentável da economia vai esbarrar na oferta de
mão-de-obra qualificada. Acho
que isso vai fazer a desigualdade voltar a subir. Neste ano, a
desigualdade já está caindo menos. Estou assustada com o déficit de formação e de qualificação dos jovens. E o mercado de
trabalho exclui quem tem menos de oito anos de estudo",
afirma Sônia Rocha, economista do Iets (Instituto de Estudos
do Trabalho e Sociedade), formada pela PUC-RJ com mestrado pela Bucknell University
(EUA) e doutorado pela Universidade de Paris 1.
"O Brasil nunca teve coragem de assumir uma linha oficial de pobreza. Os EUA fizeram isso em 1963. A Índia fez. A
Irlanda fez. E o Brasil, nunca",
analisa Marcelo Neri, professor
da Escola de Pós-Graduação
em Economia e diretor do Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia,
ambos ligados à Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ).
Quantos pobres existem no
país? São 49 milhões? Ou 36,2
milhões? O número muda de
acordo com o conceito usado
para definir quem é pobre, miserável ou indigente.
Segundo os dados de Rocha,
em 2006 a pobreza atingia
26,9% da população brasileira,
o mais baixo índice desde 1987.
Em 2005, a proporção de pobres ficou em 30,5%. Em 1995,
primeiro ano completo do Real,
chegava a 33,2%.
Em números absolutos, houve queda de 10,6% no contingente de pobres no país -de
54,884 milhões de pessoas em
2005 para 49,043 milhões em
2006. Ou seja, em um ano 5,841
milhões de brasileiros se afastaram da linha da pobreza.
Neri divulgou que de 2005
para 2006 o total de miseráveis
no país caiu em 5,880 milhões
de pessoas. Em 2005, eram
22,8%. Neri calcula que 36,154
milhões vivam em condições
miseráveis no país.
Metodologias distintas explicam as diferenças, especialmente os valores atribuídos às
linhas de pobreza.
Na sexta-feira, a Folha reuniu os dois especialistas para
discutir causas, efeitos e saídas
para a pobreza.
METODOLOGIA
SÔNIA ROCHA - Metodologicamente são coisas muito parecidas. Têm a mesma origem. A
idéia de usar as linhas de pobreza como parâmetro é o mesmo
procedimento. Trabalho com
linhas para áreas rurais, urbanas e metropolitanas. Trabalho
com uma linha de pobreza que
considera todos os consumos, e
outra de indigência, que é um
patamar mais baixo, que corresponderia ao custo de comer
de uma cesta alimentar.
MARCELO NERI - Em primeiro lugar, nossa linha tem base na
POF [Pesquisa de Orçamentos
Familiares] de 1996. A linha de
pobreza transforma em unidades monetárias as necessidades, sejam elas calóricas ou alimentares. Corresponde a R$
125 a preços de São Paulo e a R$
118 na média do Brasil [é mais
baixa do que a de Rocha, R$ 266
para São Paulo] e foi feita com
base em necessidades alimentares. Trabalhamos também
com a linha de US$ 1 per capita,
da ONU, para medir extrema
pobreza. Nossa linha de indigência [R$ 125] é considerada
alta [por isso, contabiliza menos miseráveis]. Não existe um
valor absoluto correto. É uma
questão de opção metodológica.
POBREZA
ROCHA - Seja usando a minha
metodologia ou a do Neri, a pobreza caiu em 2006. A queda foi
muito robusta. Acho que não
foi definida uma linha porque
isso politicamente é perigoso.
Quem está no poder se sente
pouco à vontade em ter um parâmetro inequívoco. É muito
mais fácil lidar e usar as divergências a seu favor. Assim, a
gente sabe para onde se está andando. Deve haver uma linha
oficial sim, que permita estabelecer metas de redução de pobreza e de indigência.
NERI - Defendo há muitos anos
que é necessário eleger uma linha oficial de pobreza. O Brasil
nunca teve coragem de assumir
isso. Os EUA fizeram isso em
1963. A Índia fez. A Irlanda fez.
E o Brasil, nunca. É uma questão básica. Isso gera uma convergência no debate [sobre pobreza] muito grande. Mas qualquer linha que se escolha a pobreza caiu. E a queda foi bastante robusta.
MÍNIMO/PREVIDÊNCIA
ROCHA - Na sua origem, o salário mínimo era diferenciado
[por região]. E foi uma confusão. Nos anos 80, foi unificado.
Foi muito bom porque eliminou um estímulo muito grande
à migração. O mínimo é aceito
ou não, dependendo das condições locais do mercado de trabalho -quando ele é alto, não é
aceito, e a informalidade aumenta. Nos últimos anos, ele
foi aceito, o que mostra que estava defasado. Acho que o aumento do mínimo desde a segunda metade da década de 90
(mais de 100%) foi aceito. A informalidade não cresceu e ajudou a reduzir a pobreza. Sou
contra a vinculação do mínimo
à Previdência até porque é um
tiro no pé. Quem ganha um salário mínimo não vai contribuir
com 10% ou 20% [para o INSS],
se for autônomo, sabendo que
terá direito a um mínimo [na
aposentadoria por idade]. É um
desestímulo [à contribuição].
NERI - Defendo a criação de pisos regionais de salário, como o
[governador José] Serra está
fazendo em São Paulo. Não defendo o mínimo unificado. Os
Estados devem fixar seu salário. O mínimo não é mais um
instrumento de redução de desigualdade. O efeito do mínimo
sobre a pobreza em áreas metropolitanas foi embora, não
existe mais. A grande redução
da pobreza e da desigualdade
foi em 2004. O mínimo é a base
de renda da Previdência e consome 12% do PIB. Sou contra o
mínimo [atrelado aos benefícios] porque a gente já optou
nos anos 90 pelos idosos em detrimento das crianças. Temos
de dar tratamento igual ao idoso e à criança.
BOLSA FAMÍLIA
ROCHA - Não sei se o crescimento sustentável da economia vai esbarrar na oferta de
mão-de-obra qualificada [ou
seja, pressionar o mercado e fazer subir os salários mais altos].
Acho que isso vai fazer a desigualdade voltar a subir. Neste
ano, a desigualdade já está caindo menos. Estou assustada com
o déficit de formação e de qualificação dos jovens. E o mercado
de trabalho exclui quem tem
menos de oito anos de estudo.
NERI - O Brasil não consegue
mudar a política social. São adicionadas só coisas novas, não
mudam as coisas velhas que
não funcionam mais. Já que
não há dinheiro para fazer tudo, temos de fazer escolhas.
Nos últimos anos o Brasil tem
feito opções corretas, porque
instituiu um novo regime de
políticas sociais. A desigualdade está caindo também por
conta dos programas sociais.
LULA X FHC
ROCHA - Fiquei alarmada. Não
dava para [o Lula] errar daquele tamanho [no lançamento do
Fome Zero]. Depois, o Bolsa
Família deu certo e se mostrou
bem focalizado. Outro ponto
foi o Primeiro Emprego. Todos
apontamos os erros. Já o FHC,
que sempre conviveu com um
cenário mais adverso, fez bons
programas na área de saúde.
NERI - O Lula, talvez por ter dado continuidade à política econômica do FHC, quis reinventar a roda na área social. Por isso, lançou o Fome Zero, que
não deu certo. Depois de nove
meses, fez o Bolsa Família, do
qual sou entusiasta. O Lula é o
pai dos programas sociais mais
modernos. O FHC é o avô. O
Lula foi mais ousado. Já o FHC,
até pelas crises que enfrentou,
agia com mais cautela.
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