São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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Pobreza cairá menos, dizem especialistas

Pesquisadores alertam para falta de mão-de-obra qualificada e fim dos efeitos redistributivos do aumento do salário mínimo

Número de pobres no país vem caindo nos últimos anos, mas essa queda pode não perdurar no futuro, afirmam economistas

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

Os brasileiros estão menos pobres, mas a redução da desigualdade está sob risco.
Dois dos mais dedicados pesquisadores sobre a miséria e a indigência nacionais fazem dois alertas. "Não sei se o crescimento sustentável da economia vai esbarrar na oferta de mão-de-obra qualificada. Acho que isso vai fazer a desigualdade voltar a subir. Neste ano, a desigualdade já está caindo menos. Estou assustada com o déficit de formação e de qualificação dos jovens. E o mercado de trabalho exclui quem tem menos de oito anos de estudo", afirma Sônia Rocha, economista do Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), formada pela PUC-RJ com mestrado pela Bucknell University (EUA) e doutorado pela Universidade de Paris 1.
"O Brasil nunca teve coragem de assumir uma linha oficial de pobreza. Os EUA fizeram isso em 1963. A Índia fez. A Irlanda fez. E o Brasil, nunca", analisa Marcelo Neri, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia e diretor do Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia, ambos ligados à Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ).
Quantos pobres existem no país? São 49 milhões? Ou 36,2 milhões? O número muda de acordo com o conceito usado para definir quem é pobre, miserável ou indigente.
Segundo os dados de Rocha, em 2006 a pobreza atingia 26,9% da população brasileira, o mais baixo índice desde 1987.
Em 2005, a proporção de pobres ficou em 30,5%. Em 1995, primeiro ano completo do Real, chegava a 33,2%.
Em números absolutos, houve queda de 10,6% no contingente de pobres no país -de 54,884 milhões de pessoas em 2005 para 49,043 milhões em 2006. Ou seja, em um ano 5,841 milhões de brasileiros se afastaram da linha da pobreza.
Neri divulgou que de 2005 para 2006 o total de miseráveis no país caiu em 5,880 milhões de pessoas. Em 2005, eram 22,8%. Neri calcula que 36,154 milhões vivam em condições miseráveis no país.
Metodologias distintas explicam as diferenças, especialmente os valores atribuídos às linhas de pobreza.
Na sexta-feira, a Folha reuniu os dois especialistas para discutir causas, efeitos e saídas para a pobreza.

METODOLOGIA
SÔNIA ROCHA - Metodologicamente são coisas muito parecidas. Têm a mesma origem. A idéia de usar as linhas de pobreza como parâmetro é o mesmo procedimento. Trabalho com linhas para áreas rurais, urbanas e metropolitanas. Trabalho com uma linha de pobreza que considera todos os consumos, e outra de indigência, que é um patamar mais baixo, que corresponderia ao custo de comer de uma cesta alimentar.
MARCELO NERI - Em primeiro lugar, nossa linha tem base na POF [Pesquisa de Orçamentos Familiares] de 1996. A linha de pobreza transforma em unidades monetárias as necessidades, sejam elas calóricas ou alimentares. Corresponde a R$ 125 a preços de São Paulo e a R$ 118 na média do Brasil [é mais baixa do que a de Rocha, R$ 266 para São Paulo] e foi feita com base em necessidades alimentares. Trabalhamos também com a linha de US$ 1 per capita, da ONU, para medir extrema pobreza. Nossa linha de indigência [R$ 125] é considerada alta [por isso, contabiliza menos miseráveis]. Não existe um valor absoluto correto. É uma questão de opção metodológica.


POBREZA
ROCHA - Seja usando a minha metodologia ou a do Neri, a pobreza caiu em 2006. A queda foi muito robusta. Acho que não foi definida uma linha porque isso politicamente é perigoso. Quem está no poder se sente pouco à vontade em ter um parâmetro inequívoco. É muito mais fácil lidar e usar as divergências a seu favor. Assim, a gente sabe para onde se está andando. Deve haver uma linha oficial sim, que permita estabelecer metas de redução de pobreza e de indigência.
NERI - Defendo há muitos anos que é necessário eleger uma linha oficial de pobreza. O Brasil nunca teve coragem de assumir isso. Os EUA fizeram isso em 1963. A Índia fez. A Irlanda fez. E o Brasil, nunca. É uma questão básica. Isso gera uma convergência no debate [sobre pobreza] muito grande. Mas qualquer linha que se escolha a pobreza caiu. E a queda foi bastante robusta.

MÍNIMO/PREVIDÊNCIA
ROCHA - Na sua origem, o salário mínimo era diferenciado [por região]. E foi uma confusão. Nos anos 80, foi unificado. Foi muito bom porque eliminou um estímulo muito grande à migração. O mínimo é aceito ou não, dependendo das condições locais do mercado de trabalho -quando ele é alto, não é aceito, e a informalidade aumenta. Nos últimos anos, ele foi aceito, o que mostra que estava defasado. Acho que o aumento do mínimo desde a segunda metade da década de 90 (mais de 100%) foi aceito. A informalidade não cresceu e ajudou a reduzir a pobreza. Sou contra a vinculação do mínimo à Previdência até porque é um tiro no pé. Quem ganha um salário mínimo não vai contribuir com 10% ou 20% [para o INSS], se for autônomo, sabendo que terá direito a um mínimo [na aposentadoria por idade]. É um desestímulo [à contribuição].
NERI - Defendo a criação de pisos regionais de salário, como o [governador José] Serra está fazendo em São Paulo. Não defendo o mínimo unificado. Os Estados devem fixar seu salário. O mínimo não é mais um instrumento de redução de desigualdade. O efeito do mínimo sobre a pobreza em áreas metropolitanas foi embora, não existe mais. A grande redução da pobreza e da desigualdade foi em 2004. O mínimo é a base de renda da Previdência e consome 12% do PIB. Sou contra o mínimo [atrelado aos benefícios] porque a gente já optou nos anos 90 pelos idosos em detrimento das crianças. Temos de dar tratamento igual ao idoso e à criança.

BOLSA FAMÍLIA
ROCHA - Não sei se o crescimento sustentável da economia vai esbarrar na oferta de mão-de-obra qualificada [ou seja, pressionar o mercado e fazer subir os salários mais altos]. Acho que isso vai fazer a desigualdade voltar a subir. Neste ano, a desigualdade já está caindo menos. Estou assustada com o déficit de formação e de qualificação dos jovens. E o mercado de trabalho exclui quem tem menos de oito anos de estudo.
NERI - O Brasil não consegue mudar a política social. São adicionadas só coisas novas, não mudam as coisas velhas que não funcionam mais. Já que não há dinheiro para fazer tudo, temos de fazer escolhas. Nos últimos anos o Brasil tem feito opções corretas, porque instituiu um novo regime de políticas sociais. A desigualdade está caindo também por conta dos programas sociais.

LULA X FHC
ROCHA - Fiquei alarmada. Não dava para [o Lula] errar daquele tamanho [no lançamento do Fome Zero]. Depois, o Bolsa Família deu certo e se mostrou bem focalizado. Outro ponto foi o Primeiro Emprego. Todos apontamos os erros. Já o FHC, que sempre conviveu com um cenário mais adverso, fez bons programas na área de saúde.
NERI - O Lula, talvez por ter dado continuidade à política econômica do FHC, quis reinventar a roda na área social. Por isso, lançou o Fome Zero, que não deu certo. Depois de nove meses, fez o Bolsa Família, do qual sou entusiasta. O Lula é o pai dos programas sociais mais modernos. O FHC é o avô. O Lula foi mais ousado. Já o FHC, até pelas crises que enfrentou, agia com mais cautela.

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