São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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Foco

Família "não miserável" só come carne uma vez na semana e dorme no chão

Rafael Andrade/Folha Imagem
Sheila da Silva, 16, (de pé) cuida de crianças de família considerada não miserável pela FGV, em Paracambi (Rio de Janeiro)


SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A PARACAMBI (RJ)

As crianças não têm o que calçar, vestem-se todos os dias com as mesmas roupas, comem carne, quando muito, uma vez por semana, dormem no chão sem piso de um casebre sem banheiro e brincam em um riacho de esgoto. Mesmo assim, não são miseráveis, segundo metodologia da FGV.
Os cinco filhos (Jéssica, 16, Wanderson, 13, Taís, 11, Tainá, 8, e Jonatan, 4) e o neto Gabriel, de 8 meses, de Nilcéia de Lurdes da Silva, 35, vivem com ela e o companheiro Aílton de Oliveira, 34, em barraco pendurado em uma encosta no bairro Quilombo, próximo ao centro de Paracambi, município que, a 75 km do Rio, separa a Baixada Fluminense da região centro-sul do Estado.
Somada, a renda familiar chega a R$ 1.000 por mês, o que dá R$ 125 por pessoa, exatamente a quantia estipulada pela FGV para diferenciar o miserável do pobre.
Nilcéia ganha R$ 800 mensais, trabalhando do início da manhã ao início da noite em um lixão, onde recolhe plásticos, papéis e metais vendidos para uma firma de reciclagem. Há dois meses, deixou de receber o Bolsa Família, sem saber a razão. Desempregado, Oliveira faz biscates que lhe rendem os R$ 200 que garantem a retirada da família da miséria, conforme a pesquisa.
Na prática, a diferença fixada pela estatística não existe. Embora Nilcéia diga ter melhorado de vida nos últimos meses, mesmo que -mais uma vez- não saiba o motivo, suas crianças continuam na situação miserável que as acompanha desde a nascença. Na última sexta, não comeram nada de manhã. O barraco da família não tem água. A luz é clandestina, puxada do poste da rua. O esgoto, uma vala negra que corre no quintal. As crianças só andam descalças. Pisam nos dejetos sem dar importância. É o chão delas, afinal.
Para trabalhar, o casal deixa as crianças aos cuidados da filha de 11 anos. Às vezes, uma amiga de Jéssica, Sheila da Silva, 16, vai lá para dar comida aos pequenos. Quando não vai, Taís faz a comida. Quando não tem, roda o comércio para "pedir favor", como diz.

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