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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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Explosão de crédito é receita para problema, diz Moody's

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

A combinação da expansão entre 20% e 25% das carteiras de empréstimos dos bancos com o crescimento de 3% a 4% do PIB (Produto Interno Bruto), em 2004, pode resultar em problemas para o país. A opinião é de Celina Vansetti, analista-chefe de análise do sistema financeiro do Brasil na Moody's, uma das principais agências de classificação de risco.
"Isso seria, historicamente ou tradicionalmente, receita para problema, porque você tem um crescimento de crédito três ou quatro ou cinco vezes maior que o crescimento do PIB", diz Vansetti, brasileira, 43 anos, seis deles na Moody's em Nova York e, anteriormente, outros 16 no Citibank.
Segundo Celina, outro ponto fraco dos bancos é a excessiva dependência das receitas conseguidas com o financiamento do governo federal. Causa até das baixas notas ("ratings") das instituições nacionais em relação às obtidas em outros países. A maior parte dos bancos brasileiros tem nota B3 pela Moody's, nível considerado altamente especulativo e, portanto, arriscado.
"Se num determinado momento você tem uma dança de cadeiras e o governo pára a música, alguém pode ficar sem cadeira", afirma a economista.
A seguir, leia a entrevista que Vansetti concedeu à Folha por telefone na semana passada:

 

Folha - A Moody's melhorou há pouco a perspectiva de nota dos bancos brasileiros. Por quê?
Celina Vansetti -
Na verdade, foi uma inversão do que tínhamos feito em outubro do ano passado, quando reduzimos o "rating" (nota) de fortaleza financeira dos bancos e ainda colocamos um "outlook" (perspectiva) negativo porque achávamos que poderia haver alguma instabilidade e, portanto, algum efeito nos balanços.
Enfim, é sempre aquela história que a gente sabe: no final das contas, os bancos brasileiros sempre conseguem gerenciar a situação de forma que acabam sendo rentáveis, não importa o cenário. Mas, naquele momento, a incerteza era muito grande.
Agora em outubro, embora não tivéssemos certeza sobre possíveis mudanças no humor do mercado, decidimos que fazia sentido voltar o "outlook" a estável.

Folha - Mas as notas continuam mais baixas que antes de outubro de 2002...
Vansetti -
Exato. Só o "outlook" foi revertido. As notas continuam no nível mais baixo em que foram colocados em outubro de 2002.
Os "ratings" estão mais alinhados com um cenário mais tranquilo, mas que pode apresentar instabilidade. Isso não é dependente dos méritos e dos esforços do país em si, mas dos efeitos externos que fogem do controle do sistema bancário ou do governo.

Folha - Em junho, um relatório do FMI (Fundo Monetário Internacional) classificou o sistema bancário brasileiro como um oligopólio pouco eficiente. A sra. concorda?
Vansetti -
Para nós, o que pesa, no caso dos bancos brasileiros, é a receita da tesouraria, que até faz parte da receita operacional. É uma receita mais volátil e que, no caso dos bancos brasileiros, tem sido sustentada. Os bancos brasileiros sempre fizeram muito dinheiro financiando o governo porque, na verdade, o governo precisa ser financiado. Mas, para nós, a qualidade dessas receitas é questionável, no sentido de que você tem hoje uma relação muito próxima entre sistema bancário e governo.
É um círculo vicioso, no qual o governo paga altas taxas que alimentam a rentabilidade do sistema bancário, mas que se, num determinado momento, você tem uma dança de cadeiras e o governo pára a música, alguém pode ficar sem cadeira. O governo tem, continuamente, rolado a sua dívida, mas, num cenário de estresse total, em que isso poderia não acontecer, você teria uma grande dependência do sistema financeiro.
Nenhuma das agências dá notas altas ao sistema brasileiro porque existe uma limitação em relação a isso. A qualidade da receita é o ponto mais importante que deveria ser questionado.

Folha - Qual o futuro do sistema bancário caso se mantenha esse atual cenário de queda dos juros?
Vansetti -
É o redirecionamento dos esforços para o negócio de empréstimos. As receitas de tesouraria tendem a cair. O que você vê, por enquanto, é uma contrapartida de crescimento das receitas de serviços. Em relação às receitas de crédito, isso ainda não está acontecendo, porque o aumento de demanda ainda não aconteceu, mas é grande a expectativa do sistema bancário.
Os grandes bancos estão esperando crescimento de 20% a 25% de suas carteiras no próximo ano. É um número muito grande se você considerar que o PIB vai crescer de 3% a 4%. Isso seria, historicamente ou tradicionalmente, receita para problema, porque você tem um crescimento de crédito três ou quatro ou cinco vezes maior que o crescimento do PIB.
Mas, por outro lado, você está crescendo em bases muito baixas. Nós estamos falando de um país no qual os empréstimos representam 25% do PIB, contra 60% no Chile e quase 100% nos Estados Unidos. Há muito espaço para crescer, mas o crescimento rápido pode causar problemas.

Folha - A sra. diz isso por causa da inadimplência?
Vansetti -
É, mas acho que os bancos estão mais preparados e sabem fazer melhor o seu trabalho do que em 95 e 96.

Folha - Os bancos conseguem sobreviver a juros muito baixos?
Vansetti -
É questão de testar. O que já vimos nos primeiros três trimestre deste ano é que precisamos estar preparados para níveis de rentabilidade mais baixos. As margens financeiras de 10% dos bancos brasileiros são muito altas. Isso não é comum nos sistemas bancários em que a intermediação financeira é o grande negócio. Se você olha o sistema americano, o índice é de 3%, 4%.
No caso do Brasil, essa receita existe porque os depósitos baratos são investidos a uma taxa de retorno muito alta, paga pelos títulos públicos. Com certeza, à medida que os juros caiam, esse espaço tende a se achatar. Qual é o limite? Isso tem de ser visto de instituição a instituição.
Esperamos é que esses 10%, 11% até 12% de margem financeira líquida que os bancos têm apresentado nos últimos anos se reduzam para níveis mais próximos aos de sistemas financeiros que não têm essas distorções de rentabilidade.

Folha - Como ficam os bancos menores nesse cenário?
Vansetti -
Você tem alguns bancos que são realmente bancos porque fazem intermediação financeira ou cujo negócio predominante é a carteira de empréstimos. Esses bancos vão sofrer um pouco, mas a saída para eles é fazer mais empréstimos.
Bancos que são pequenos e que fazem mais um negócio de investimento do que de carteira comercial podem ter mais dificuldades.
Nós vimos há alguns anos uma série de bancos cuja mortalidade acabou sendo grande porque o negócio deles era fazer dinheiro em cima de oportunidades que começaram a desaparecer. Podemos ver um novo processo dessa natureza. Não descartaria uma nova rodada de consolidação.

Folha - A existência de um sistema financeiro muito concentrado não é ruim para o governo, na medida em que ele passa a ter pouca margem de manobra?
Vansetti -
Acho que sim. No ano passado, vimos essa demonstração de poder muito grande dos bancos. Você tem os bancos puxando, justamente, aquilo que o governo tem como seus maiores desafios, que são a taxa de juros e a taxa de câmbio.
Os bancos puxam para o seu lado e forçam o governo a, em situações de estresse, ter de elevar essas taxas de tal maneira que isso é, justamente, o que poderia levar o governo a ter de decretar uma reestruturação de pagamentos da dívida.
Por isso que, de uma certa maneira, é um círculo vicioso, porque os bancos puxam por isso e o governo acaba tendo de ceder pela pressão que os bancos fazem, dado o poder de carregar 30%, em média da dívida pública.
Mas, por outro lado, o governo também poderia se quisesse demonstrar poder.



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