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OPINIÃO ECONÔMICA
Dilma tem razão
PAULO RABELLO DE CASTRO
O ministro Palocci se destaca por seu profissionalismo e
senso de missão. Cercou-se de técnicos competentes. Não adotou
doutrinas exóticas. Impressionante, porém, como nenhuma dessas
importantes qualidades afastou o
erro fundamental da sua política
econômica. Sendo o ministro responsável pela coordenação dos aspectos fiscais e monetários, Palocci
não quis ousar nenhuma originalidade nesse campo. Palocci foi
"ortodoxo" e colheu os resultados
convencionais: a inflação ficou
controlada, a moeda apreciou-se,
o risco-país baixou bastante, a
economia cresceu, mas devagar.
Como julgar um comportamento tão prudente? À primeira vista,
nada a questionar, menos ainda a
reprovar. A ministra Dilma Rousseff, encarregada da chamada "visão estratégica" dentro do governo
Lula, resolveu, entretanto, debater
a percepção dominante. Não conhecendo a ministra pessoalmente, não posso fazer juízo de suas
motivações. Sei, porém, que sua
intuição está tecnicamente correta. Em suma, Dilma tem razão.
O prof. Delfim Netto chamou
atenção para a aritmética do debate Dilma/Palocci em sua coluna
da Folha do último dia 16. A matemática, em resumo, é a seguinte:
para o Brasil equacionar suas finanças, a razão entre a dívida pública e o PIB tem que começar a
cair rapidamente. Um endividamento alto se reduz quando o juro
fica baixo, o déficit fiscal está controlado e a economia cresce bastante. É bom botar que tudo depende, no final, do crescimento do
PIB: quanto maior o PIB, menor
será o grau de endividamento,
qualquer que seja o juro praticado. Mas como fazer o PIB andar
mais rápido?
No Brasil, há mais de uma década, trocou-se inflação por juro alto. É a herança maldita, que o Plano Real não corrigiu e ainda agravou. Com juro alto, reduzir o endividamento fica muito difícil. Por
dois motivos: primeiro, porque aumenta o esforço fiscal para cobrir
a despesa com juros, o que exige
superávits primários mais altos,
menor investimento público, mais
taxação. Em segundo lugar, maiores juros invocam menor crescimento do PIB, retardando a queda do endividamento relativo. Foi
essa a conta que o prof. Delfim
mostrou outro dia: com juro real
muito alto (cerca de 14%) e crescimento do PIB lento (cerca de 3%),
o esforço fiscal, via superávit primário, tem que ser da ordem de
5,5% -por cima da meta oficial- apenas para manter o endividamento como está. É o que a
Fazenda vem perseguindo: superávits em torno de 5,5% a 6%. Estaria certa a Fazenda?
Há dez anos, pratica-se a lógica
fazendária. Mas o endividamento
só aumentou e o crescimento só
murchou. Esse é o enigma de Dilma. Que tanto esforço é esse, que
resulta em tão pouco? Como numa miragem, o final feliz se afasta
à medida que dele nos aproximamos. Estaria errada a Fazenda?
Há duas ou três razões para o erro. A primeira é essencial: Palocci
e assessores usam a teoria certa
para o problema errado. A teoria
manda subir juros para baixar inflação. O problema é que a dívida
pública do Brasil é "errada", no
sentido de ser quase toda pós-fixada, atrelada ao juro do dia. É caso
para o dr. Drauzio Varella. Ela engorda muito mais rápido, com juro alto, do que a dívida de outros
países. As células da nossa dívida
são hipersensíveis a juros.
A segunda razão se segue à primeira: o hiper-juro fortalece demais o real, enfraquecendo o PIB.
Terceiro: ao tentar cobrir a despesa de juro com corte de investimento e aumento de taxação, corta-se o crescimento pela jugular.
A ministra Dilma intui que algo
está ou estaria errado. Afirma que
o juro alto demais "compra" o
próprio insucesso do objetivo pretendido, que seria estabilizar os
preços, mas com crescimento. Um
modelo matemático dinâmico
mostraria que ela está certa: faz
grande diferença cortar investimento ou passar a tesoura em gastos correntes. Um choque contra
gastos, sim, mas não sobre investimentos. É um outro ingrediente
que confirmaria o discurso da ministra Dilma. O superávit fiscal terá um efeito sempre melhor se
houver ousadia (o que não houve)
nas finanças públicas. Exemplos:
1) o encontro de contas entre ativos e passivos fiscais do governo; 2)
a equação previdenciária de longo
prazo; 3) a negociação das dívidas
de Estados e municípios, em mercado; 4) a redefinição do papel do
BNDES e dos fundos sociais (FAT,
FGTS, PIS).
Longe de representar um atentado à sacrificada estabilidade palocciana, o contraditório ensejado
pela ministra Dilma é um saudável exercício de contestação à sabedoria convencional. Um olhar
para além do livro de tabuada.
Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o
conselho da consultoria GRC Visão. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
E-mail - rabellodecastro@uol.com.br
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