São Paulo, quarta-feira, 23 de novembro de 2005

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COMÉRCIO MUNDIAL

Discussões não avançam e podem exigir mais dois anos depois de reunião de Hong Kong, em dezembro

OMC corre risco de perder até o prazo de 2006

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

Alberto Dumont, o embaixador argentino na Organização Mundial do Comércio, termina de ler o documento sobre a negociação agrícola ontem emitido pelo presidente do comitê de agricultura da instituição e decreta: "Qualquer um que leia este papel com seriedade dirá que temos dois anos de trabalho pela frente".
Se correta a avaliação de Dumont, veterano negociador comercial, significa que não apenas a Conferência Ministerial de Hong Kong, em dezembro, será um fiasco como a própria Rodada Doha de Desenvolvimento acabará seriamente avariada.
Trabalhar mais dois anos significa ultrapassar o ano (2007) em cuja metade vence a TPA (Trade Promotion Authority, a autorização que o Congresso dos EUA dá ao Executivo para negociar acordos comerciais que o Legislativo apenas aprova ou rejeita em bloco, mas não pode emendar).
Sem a TPA, o consenso no mundo diplomático é o de que nenhum parceiro dos EUA se animaria a negociar algo a sério, por temer que o Congresso destroce depois o que ficar acertado.
É verdade que Dumont é dono usualmente de um retórica contundente, mas mesmo um diplomata ainda mais experiente e otimista de ofício, como o chanceler brasileiro Celso Amorim, exibe uma ponta de ceticismo.
Amorim vê dois cenários para Hong Kong, fora o "cenário desastre", que ele descarta: ou faturar o que já se conseguiu de progressos nas negociações da Rodada Doha, iniciadas em 2001, ou "tentar construir algo mais". Se der a primeira hipótese -e tudo ficar como está- "poria em risco o prazo de 2006", acha Amorim.
É importante observar que o prazo original para concluir a Rodada era 2005, não 2006. Não se conseguiu, até agora, nem sequer fechar as "modalidades", uma espécie de pré-negociação, mas que toca em todos os pontos sensíveis.
Na parte agrícola, modalidades implicam, entre outras, definições sobre fórmula de redução das tarifas; tratamento aos chamados produtos sensíveis; funcionamento das salvaguardas e produtos especiais para os países em desenvolvimento; definições claras sobre o corte global dos subsídios domésticos distorcivos; e fixação de data para eliminação dos subsídios à exportação. As "modalidades" deveriam ter sido definidas em Cancún, a Conferência Ministerial anterior que naufragou miseravelmente em 2003.
Robert Portman, chefe do USTr (organismo que trata do comércio externo norte-americano), já descarta que elas possam ser definidas em dezembro. "Hong Kong não estabelecerá as fórmulas, mas nossa expectativa sobre a Rodada Doha não deve ser reduzida", diz. Concorda Amorim: "Está claro para todos que Hong Kong não será o fim do jogo; talvez possa ser o começo do fim do jogo".
Ambas as frases fazem parte de uma operação de marketing para reduzir as expectativas sobre a Conferência Ministerial de dezembro, já que elas são a instância máxima da OMC e é natural que os negociadores esperem igualmente o máximo de resultados.
Como já ficou claro que o máximo está fora de alcance, trata-se de "ter um script do que vai acontecer na Ministerial para não correr o risco de um fiasco em praça pública", como define importante negociador brasileiro pedindo reserva do nome.
Esse script vem sendo freneticamente buscado nas últimas semanas, em sucessivas reuniões, em geral do G4, o grupo que reúne EUA, União Européia, Brasil e Índia, ontem reforçado pelo Japão.
Ao fim do encontro, as partes usualmente dizem que "houve progressos", mas não conseguem ou não querem especificá-los. Ontem, o script repetiu-se, na boca de Amorim e Portman.
Se houve de fato progressos, não foram suficientes, já que nova reunião, com o mesmo formato, ficou agendada, em princípio para o dia 2, sempre em Genebra, que é o QG da OMC, a apenas 11 dias da abertura da Ministerial.
São reuniões necessárias, a julgar pelo texto sobre agricultura divulgado pelo embaixador neozelandês Crawford Falconer, presidente do comitê de agricultura. É vago ao ponto de a Folha ter ouvido, no comando da OMC, o comentário de que "será preciso transformar chumbo em ouro" para fazer Hong Kong dar certo.
O próprio Falconer adverte que não se pode perder tempo na busca de "uma ponte" para o acordo. "Se o fizermos, será um grave risco para nosso processo", acrescenta na mesma linha do que diria depois, com mais dureza, o argentino Dumont.


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