São Paulo, quarta, 23 de dezembro de 1998

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ARTIGO
As estratégias dos bancos e os setores produtivos


SERGIO MAGALHÃES
Desde que a economia brasileira mergulhou no descontrole inflacionário, dando origem à chamada "década perdida", o sistema financeiro nacional distanciou-se rapidamente do seu verdadeiro papel como agente de apoio à produção e circulação de riquezas. Ou seja, a indústria, a agricultura e o comércio perderam uma das pernas de sustentação, com uma enorme e irrecuperável perda imposta a toda a sociedade.
Na verdade, até os primeiros anos da década de 80, quando a economia brasileira observava índices de crescimento que assombravam o mundo, os bancos brasileiros tinham como atuação preponderante o financiamento da produção e dos investimentos, como ocorre em qualquer parte do mundo desde que surgiu a atividade de intermediação de moeda e valores mobiliários.
Hoje, enquanto os nossos colegas industriais alemães ou japoneses só se preocupam em fabricar produtos cada vez mais baratos e melhores (porque os seus governos estabelecem eficientes políticas setoriais, as empresas de comércio se incumbem de procurar e achar clientes e os bancos, de financiar os investimentos, a produção e as vendas), aqui fazemos tudo isso sozinhos, operando verdadeiros milagres para enfrentar os desafios da globalização e do crescente peso do "custo Brasil".
Dentro desse dramático cenário para quem produz riquezas, emprega trabalhadores e ainda paga impostos (quando pode), são bastante sintomáticos os depoimentos dos presidentes dos dois maiores bancos privados do país em reportagem publicada na Folha no mês passado.
O sr. Lázaro Brandão, presidente do Bradesco, afirma que o resultado do banco que preside, relativo ao período janeiro/setembro desde ano, foi 6,8% menor que o de igual período do ano passado, uma vez que continuou aplicando parte considerável de seus recursos na concessão de crédito a seus clientes. Ele não se eximiu de cumprir uma das principais funções de uma entidade financeira, mesmo assumindo mais riscos e reduzindo sua rentabilidade.
Enquanto isso, o presidente do segundo maior banco brasileiro ressalta que escolhera a opção mais favorável a seus acionistas, "jogando mais fichas" nos títulos da dívida pública, mais rentáveis e sem riscos. Essa escolha rendeu ao Itaú uma lucratividade 12% maior que a de 1997, deixando "na mão", provavelmente, uma porção de empresas que poderiam ter mantido ou ampliado sua produção e seus quadros de trabalhadores.
Lamentavelmente, o Bradesco constitui-se na honrosa e respeitável exceção, não por culpa apenas dos banqueiros, mas pelo desvirtuamento do sistema financeiro brasileiro. O processo começou com a "ciranda financeira" dos tempos das hiperinflações; hoje, caracteriza-se pelos indecentes juros pagos pelos títulos do governo para tapar os buracos orçamentários ou cobrir a conversão da fabulosa e nociva entrada de dinheiro especulativo do exterior.
Nada mais errado do que a atual política monetária, que prioriza as aplicações especulativas estrangeiras e nacionais, que nada geram de útil, em detrimento dos investimentos na produção de riquezas e empregos para brasileiros. Nada mais correto e exemplar do que a consciência de um Bradesco, que, resistindo a um lucro supérfluo resultante de uma intermediação bancária inconsequente, opta pelo caminho mais árduo, mais arriscado, mas mais construtivo de apoiar a empresa. Quando o país deixa de investir e "joga suas fichas" na especulação está perdendo o presente e comprometendo o futuro, porque há outras nações menos ricas, mas muito mais competentes.
É preocupante também o exacerbado avanço da desnacionalização do controle acionário dos bancos. Não temos nenhum preconceito quanto à origem do capital se as empresas investem e atuam segundo as leis e os interesses maiores da nação brasileira. A mesma liberalidade, no entanto, parece não ser aplicável ao setor financeiro -não só em razão do seu papel estratégico dentro da dinâmica de uma moderna sociedade industrial, mas sobretudo diante do imponderável poder das grandes concentrações de capital existentes no mercado internacional.
Não fosse essa função estratégica, os sistemas financeiros das principais nações soberanas não necessitariam ser tão regulamentados nem submetidos a rígidos controles de seus bancos centrais, sem falar de organismos internacionais, como o FMI.
Cabe, nesse aspecto, uma rápida reflexão das autoridades tanto do Poder Executivo quanto do Legislativo. Não seria uma medida de bom senso preservar um mínimo de bancos sob controle nacional, que não se retirem quando o nosso mercado não for tão interessante como hoje e que tracem suas estratégias considerando também o desenvolvimento das empresas produtivas brasileiras?
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Sergio Magalhães, 58, engenheiro e empresário, é presidente da Febramaq (Federação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos).



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