São Paulo, quarta, 23 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF
É lobby da Fiesp

Se é para definir um culpado pela situação a que chegou a economia, debite-se ao patrulhamento ao qual incorreu majoritariamente o pensamento econômico brasileiro, criando essa enorme burrice do culto à unanimidade. É inacreditável como os bordões vão se perpetuando no tempo, como se realidades, pessoas e instituições não mudassem.
Ponto central no desenvolvimento equilibrado de uma economia é a mudança gradativa de ênfases. Não existe política econômica, social, estratégia empresarial ou até tratamento médico que possa se basear em uma única ênfase. Há fases em que a ênfase, em uma determinada empresa, é o controle de custos. Superada a fase, entra- se em uma nova, de desenvolvimento de novos produtos. E assim por diante.
A arte do condutor de política econômica consiste em ponderar todos os fatores, e ir adaptando gradativamente as ênfases, de maneira a evitar desequilíbrios em uma ou outra direção.
Mas a discussão nacional ainda não conseguiu se sofisticar a ponto de ponderar os diversos argumentos e compor sínteses racionais. Aqui é esse besteirol da "turma do mercado" versus a "turma desenvolvimentista", onde só se aceitam conceitos em bloco, de preferência, porque escolher conceitos aqui e acolá, de acordo com a análise objetiva de problemas, dá muito trabalho e acaba com esse aspecto místico da discussão econômica.
²
Velhos como os pais É impressionante como continuamos velhos como nos anos 80.
Naquele período, vinham-se de duas ênfases superadas: o protecionismo às grandes empresas nacionais e a indisciplina orçamentária em todos os níveis. Na linha de frente desse estilo, bordões tipo "o que é bom para a empresa nacional é bom para o país"; ou então o "tudo pelo social", como se princípios de disciplina orçamentária fossem anti-sociais.
Para superar as enormes resistências às mudanças, a mídia passou a exercitar novos slogans. A defesa da moeda e a disciplina orçamentária passaram a ser valores hegemônicos, defendidos radicalmente. A defesa do consumidor (em contraposição à defesa do produtor) permitiu abrir a economia.
A politização desses conceitos acabou gerando novos bordões, dos quais o principal foi "isso é lobby da Fiesp", uma entidade que dos anos 90 em diante era tão inofensiva quanto um tigre gordo e banguela e só agora começa a recuperar um papel que é importante -como é importante a representação dos diversos setores, inclusive do mercado financeiro.
Nada contra a radicalização nas fases heróicas, de consolidação de novos valores. Mas há momentos em que, consolidados os valores, impõem-se novas análises e a compreensão das novas etapas da vida nacional.
Em vez de instrumento de uma visão mais racional e sofisticada da realidade econômica, o que se fez foi transformar esses elementos em fetiches intocáveis. Em vez de análises isentas sobre a realidade, vieram patrulhamentos e slogans panacas, de quem se considera defensor da globalização e, no fundo, não consegue superar o sentimento provinciano e anticientífico dos velhos defensores dos modelos fechados.
Para um e para outro, herdeiros do espírito da inquisição portuguesa, qualquer forma de questionamento passa a ser vista como heresia. Profetas primários da nova ordem, arautos tropicais da globalização, não conseguiram avançar além das tintas para entender que, na sociedade moderna e complexa que todos ambicionamos, o exercício da pressão e da crítica não é só legítimo como absolutamente necessário para corrigir distorções.
O inacreditável é que esse espírito viceja não em 1995, quando a quebra do país era uma hipótese, mas em 1998, quando é fato consumado. No entanto, qualquer alerta sobre o desastre recebe o epíteto de "lobby da Fiesp", esse argumento imbatível, definitivo, humanizador, porque permite colocar no mesmo nível de discussão os sábios e os definitivamente néscios.

E-mail: lnassif@uol.com.br



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.