São Paulo, quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ansiedade e pânico nos EUA

É perigoso entrar em recessão com o sistema financeiro tão fragilizado e vários bancos importantes tão vulneráveis

AQUI NOS EUA a situação econômico-financeira é tenebrosa, como se sabe. Imigrantes brasileiros, por exemplo, começam a retornar ou a planejar o retorno para casa. O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, declarou que a situação é "séria". Muitos já perderam a esperança de que uma recessão possa ser evitada.
Isso me faz lembrar uma história de Winston Churchill. Certa vez, quando ele era primeiro-ministro, Churchill teve um encontro com a sua contraparte da República da Irlanda. Os dois países enfrentavam grandes dificuldades na época.
Churchill disse ao primeiro-ministro irlandês que a situação da Inglaterra era "serious but not hopeless" (séria mas não desesperançada ou irremediável). E o irlandês respondeu, segundo relato de Churchill, que a situação no país dele era "hopeless but not serious".
A situação atual dos EUA está mais para a da Inglaterra ou a da Irlanda de então? Difícil dizer. Os americanos talvez estejam pagando o preço econômico por ter conferido dois mandatos consecutivos a George W. Bush. Oito anos! Eis o resultado: em algumas áreas importantes da economia e do sistema financeiro, a superpotência acumulou ao longo desses anos indicadores dignos de uma república bananeira, como já tive ocasião de comentar nesta coluna.
O presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, ao depor na quinta-feira passada em uma comissão do Congresso, tinha a ansiedade estampada no rosto. O pacote de estímulo fiscal, cujas linhas gerais foram anunciadas pelo presidente Bush na sexta, foi considerado vago e insuficiente, desencadeando uma situação de quase pânico nos mercados financeiros internacionais. Em resposta, o Fed acabou antecipando em uma semana o corte de 0,75 ponto percentual que seria feito na reunião regular dos dias 29 e 30 -decisão pouco usual que demonstra o grau de preocupação da autoridade monetária.
O Fed está correndo atrás do prejuízo. As autoridades monetárias e fiscais subestimaram a extensão da crise e agora têm pouco tempo para agir. Reina uma certa afobação, tanto no Fed como no Executivo e no Congresso. A decisão de antecipar o corte de juros, por exemplo, pode ter impacto ambíguo, sobretudo quando tomada de afogadilho. Por um lado, o efeito é positivo -o Fed finalmente acordou para a gravidade da crise. Por outro, pode gerar mais insegurança -o que é que o Fed sabe que nós não sabemos?
A ansiedade dos responsáveis pela política econômica é compreensível.
É perigoso entrar em uma recessão com o sistema financeiro tão fragilizado e vários bancos importantes tão vulneráveis. A recessão, ao gerar dificuldades adicionais de pagamento para pessoas físicas e jurídicas, levaria a um agravamento dos problemas dos bancos e de outras instituições, colocando em risco a solvência do sistema financeiro. Por sua vez, o agravamento dos problemas financeiros realimentaria as forças recessivas, criando um círculo vicioso que pode ser difícil de quebrar mais à frente.
A insistência na urgente adoção de um pacote de estímulo fiscal (com aumentos de gastos e redução de tributos) também tem sua razões. O peso de evitar ou amenizar a recessão não pode recair exclusivamente sobre o Federal Reserve. Se tudo depender de diminuições adicionais da taxa de juro, o dólar ficará sob pressão nos mercados internacionais. A depreciação pode transformar-se em colapso, solapando a confiança no dólar como moeda internacional de reserva.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net


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