São Paulo, quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRISE NOS MERCADOS/ FÓRUM GLOBAL

"Tamanho da besta" deixa Davos em pânico

Economistas e autoridades divergem em fórum suíço sobre impacto da crise nos mercados; Roubini vê recessão severa

Stephen Roach critica ação do Fed, enquanto ministro indiano diz que seu país e a China podem atenuar desaceleração global

Denis Balibouse/Reuters
Salão principal do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, tomado pelos debates sobre o tamanho da crise financeira


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O economista espanhol Javier Santiso, vice-diretor da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, clubão dos países mais ricos do mundo), resumiu ontem à perfeição o estado de espírito do público de Davos (e, certamente, do resto do planeta):
"O essencial é saber o tamanho da besta."
Por "besta" entenda-se a crise nos Estados Unidos, cujos desdobramentos, ainda em andamento, serão essenciais para tranqüilizar ou alarmar de vez os empresários, a clientela majoritária nos encontros do Fórum Econômico Mundial na Suíça, cuja abertura foi marcada pela perplexidade ante a "besta".
Mas foi também marcada pela vingança dos catastrofistas, vozes virtualmente isoladas nos cinco anos anteriores em Davos, ante o formidável surto de crescimento da economia mundial.
No tradicional debate inaugural, uma atualização sobre a economia global, o moderador, Michael Elliott, editor da revista "Time", caiu no erro de lembrar que, no ano anterior, o economista Nouriel Roubini, presidente de empresa de pesquisas econômicas, havia sido o único entre cinco debatedores a prever uma "aterrissagem forçada" ("hard landing") da economia norte-americana.
Primeiro a falar, Roubini estufou o peito, subiu num imaginário banquinho e fez um verdadeiro comício.
"A questão não é mais se haverá aterrissagem forçada ou não, mas quão dura será", disparou. E deu seu próprio palpite: "Será uma recessão severa, que durará mais do que três trimestres" (tecnicamente, de acordo com uma das definições, considera-se recessão apenas a situação em que uma economia conhece três trimestres consecutivos de crescimento negativo).
O mexicano Ángel Gurria, diretor-geral da OCDE, disse à Folha, nos corredores, que definir recessão em termos técnicos "é uma questão puramente acadêmica. O que parece certo é que os Estados Unidos viverão uma situação de crescimento muito baixo, o que não é nada bom para ninguém".
Na sala de debate, Roubini passava do catastrofismo ao apocalipse, ao prever que a Europa Oriental poderia viver uma crise parecida com a da Argentina (2001) ou a do México (1995), verdadeiros colapsos financeiros. Quanto à Europa Ocidental, o panorama por ele traçado é mais róseo: apenas "recessão severa".
O último a falar foi o segundo catastrofista da mesa, Stephen Roach, presidente para a Ásia do Morgan Stanley, que disse colocar-se "ombro a ombro" com Roubini nas suas previsões. Os dois foram impiedosos ao julgar as ações mais recentes do Federal Reserve, o banco central norte-americano. "É uma maneira perigosa, negligente e irresponsável de agir. A mensagem é a de que estão lá para defender e proteger os mercados", disparou Roach.
Roubini tocou a mesma canção: "Deveriam salvar Main Street, não Wall Street" (no jargão dos economistas, Main Street, a rua principal, são as atividades produtivas, e Wall Street, obviamente os mercados financeiros).
Do aluvião de pessimismo não escapou nem mesmo o representante da China, Yu Yongding, diretor do Instituto de Política e Economia Mundial da Academia Chinesa de Ciência.
"A economia chinesa está em estágio delicado, por causa da inflação e, mais preocupante, das expectativas de inflação", afirmou, para emendar: "A primeira prioridade é combater a inflação, o que levará a uma política monetária mais apertada" (juros mais altos).
Se for assim mesmo, a grande máquina de crescimento econômico hoje no mundo desacelerará. Para 9%, contra os 11,5% do ano passado, prevê Yu.
Mas Chang Siwei, presidente de um importante comitê do Congresso Nacional do Povo, o mais alto órgão do Estado, afirma que a intenção do governo da China é baixar o crescimento para 8%. Pior: mesmo crescendo 11,5% em 2007, a China criou apenas 10 milhões de empregos, quando precisaria criar, a cada ano, mais que o dobro (24 milhões).
Foi preciso que Fred Bergsten, diretor do Instituto Peterson para a Economia Internacional, pedisse a palavra para introduzir otimismo na conversa. "Uma recessão mundial é inconcebível", disparou.
Kamal Nath, o ministro indiano do Comércio, também tentou jogar água no incêndio. "É a primeira vez que o mundo enfrenta uma recessão com dois motores de crescimento [China e Índia]", afirmou.
Nem Bergsten nem Nath convenceram o inoxidável Roubini. "Se a demanda desaparece nos Estados Unidos, não há suficiente demanda no resto do mundo para compensar", afirmou o economista.
Roach reforçou, com números: "Os Estados Unidos são uma economia com um consumo de US$ 9,5 trilhões, seis vezes o consumo somado de Índia e China".


Texto Anterior: Pela primeira vez em cinco anos, ações ultrapassaram renda fixa
Próximo Texto: 2007 já dá saudades em brasileiros, mas analistas vêem perdas menores no país
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.