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CRISE NOS MERCADOS/ FÓRUM GLOBAL
"Tamanho da besta" deixa Davos em pânico
Economistas e autoridades divergem em fórum suíço sobre impacto da crise nos mercados; Roubini vê recessão severa
Stephen Roach critica ação do Fed, enquanto ministro indiano diz que seu país e a China podem atenuar desaceleração global
Denis Balibouse/Reuters
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Salão principal do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, tomado pelos debates sobre o tamanho da crise financeira |
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
O economista espanhol Javier Santiso, vice-diretor da
OCDE (Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, clubão dos
países mais ricos do mundo),
resumiu ontem à perfeição o
estado de espírito do público de
Davos (e, certamente, do resto
do planeta):
"O essencial é saber o tamanho da besta."
Por "besta" entenda-se a crise nos Estados Unidos, cujos
desdobramentos, ainda em andamento, serão essenciais para
tranqüilizar ou alarmar de vez
os empresários, a clientela majoritária nos encontros do Fórum Econômico Mundial na
Suíça, cuja abertura foi marcada pela perplexidade ante a
"besta".
Mas foi também marcada pela vingança dos catastrofistas,
vozes virtualmente isoladas
nos cinco anos anteriores em
Davos, ante o formidável surto
de crescimento da economia
mundial.
No tradicional debate inaugural, uma atualização sobre a
economia global, o moderador,
Michael Elliott, editor da revista "Time", caiu no erro de lembrar que, no ano anterior, o
economista Nouriel Roubini,
presidente de empresa de pesquisas econômicas, havia sido o
único entre cinco debatedores
a prever uma "aterrissagem
forçada" ("hard landing") da
economia norte-americana.
Primeiro a falar, Roubini estufou o peito, subiu num imaginário banquinho e fez um verdadeiro comício.
"A questão não é mais se haverá aterrissagem forçada ou
não, mas quão dura será", disparou. E deu seu próprio palpite: "Será uma recessão severa,
que durará mais do que três trimestres" (tecnicamente, de
acordo com uma das definições, considera-se recessão
apenas a situação em que uma
economia conhece três trimestres consecutivos de crescimento negativo).
O mexicano Ángel Gurria, diretor-geral da OCDE, disse à
Folha, nos corredores, que definir recessão em termos técnicos "é uma questão puramente
acadêmica. O que parece certo
é que os Estados Unidos viverão uma situação de crescimento muito baixo, o que não é
nada bom para ninguém".
Na sala de debate, Roubini
passava do catastrofismo ao
apocalipse, ao prever que a Europa Oriental poderia viver
uma crise parecida com a da
Argentina (2001) ou a do México (1995), verdadeiros colapsos
financeiros. Quanto à Europa
Ocidental, o panorama por ele
traçado é mais róseo: apenas
"recessão severa".
O último a falar foi o segundo
catastrofista da mesa, Stephen
Roach, presidente para a Ásia
do Morgan Stanley, que disse
colocar-se "ombro a ombro"
com Roubini nas suas previsões. Os dois foram impiedosos
ao julgar as ações mais recentes
do Federal Reserve, o banco
central norte-americano. "É
uma maneira perigosa, negligente e irresponsável de agir. A
mensagem é a de que estão lá
para defender e proteger os
mercados", disparou Roach.
Roubini tocou a mesma canção: "Deveriam salvar Main
Street, não Wall Street" (no jargão dos economistas, Main
Street, a rua principal, são as
atividades produtivas, e Wall
Street, obviamente os mercados financeiros).
Do aluvião de pessimismo
não escapou nem mesmo o representante da China, Yu
Yongding, diretor do Instituto
de Política e Economia Mundial da Academia Chinesa de
Ciência.
"A economia chinesa está em
estágio delicado, por causa da
inflação e, mais preocupante,
das expectativas de inflação",
afirmou, para emendar: "A primeira prioridade é combater a
inflação, o que levará a uma política monetária mais apertada"
(juros mais altos).
Se for assim mesmo, a grande
máquina de crescimento econômico hoje no mundo desacelerará. Para 9%, contra os 11,5%
do ano passado, prevê Yu.
Mas Chang Siwei, presidente
de um importante comitê do
Congresso Nacional do Povo, o
mais alto órgão do Estado, afirma que a intenção do governo
da China é baixar o crescimento para 8%. Pior: mesmo crescendo 11,5% em 2007, a China
criou apenas 10 milhões de empregos, quando precisaria criar,
a cada ano, mais que o dobro
(24 milhões).
Foi preciso que Fred Bergsten, diretor do Instituto Peterson para a Economia Internacional, pedisse a palavra para
introduzir otimismo na conversa. "Uma recessão mundial
é inconcebível", disparou.
Kamal Nath, o ministro indiano do Comércio, também
tentou jogar água no incêndio.
"É a primeira vez que o mundo
enfrenta uma recessão com
dois motores de crescimento
[China e Índia]", afirmou.
Nem Bergsten nem Nath
convenceram o inoxidável
Roubini. "Se a demanda desaparece nos Estados Unidos, não
há suficiente demanda no resto
do mundo para compensar",
afirmou o economista.
Roach reforçou, com números: "Os Estados Unidos são
uma economia com um consumo de US$ 9,5 trilhões, seis vezes o consumo somado de Índia
e China".
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