São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Chiliques

BENJAMIN STEINBRUCH

É estranho observar o impacto da crise provocada pelas denúncias que atingiram um ex-assessor da Casa Civil. Na primeira semana após as denúncias, o mercado financeiro sofreu um baque. Acionistas venderam ações, refugiaram-se em aplicações que consideram mais seguras e derrubaram as cotações na Bolsa de São Paulo. O dólar e o risco Brasil subiram, e até os juros de mercado ficaram mais altos, com impacto no custo da dívida pública.
Há razões objetivas para tudo isso? A resposta é obviamente "não" se os fatos forem analisados com maturidade. Primeiro, não se deve prejulgar ninguém, e constitui desonestidade agir de forma oportunista para tirar vantagem política de um fato cuja responsabilidade não foi apurada. Segundo, essa não é a primeira crise com a qual o Brasil tem de conviver. Já passamos por muitas, e outras certamente virão. Terceiro, o caminho traçado pelo governo Lula é correto em linhas gerais, com alguns desvios pontuais, e não há razão para achar que o país vai cair no primeiro tropeço.
Ninguém pode ser contra a apuração de responsabilidades em denúncias dessa natureza, seja por meio de Comissões Parlamentares de Inquérito, seja pelas vias normais do combate ao crime. CPIs, por sua teórica independência em relação a governos, são instrumento eficiente para investigação. Mas elas também servem -e isso já presenciamos à exaustão no passado- de holofote para iluminar políticos em busca de estrelato. Além disso, costumam criar um clima em que normalmente são relegados a segundo plano os debates legislativos de alterações vitais no âmbito social e na economia.
Investigar crimes que possam ter sido cometidos pelo ex-assessor da Casa Civil e outros funcionários públicos que com ele se relacionavam é, portanto, uma obrigação. O Brasil, porém, precisa continuar no caminho traçado, e a tarefa de manter esse movimento deve ser de todos: do presidente Lula, dos ministros de Estado, dos deputados e senadores, dos funcionários públicos, dos empresários, dos trabalhadores e dos brasileiros em geral.
O Brasil precisa continuar a seguir seu caminho cuidando de coisas objetivas, que valem a pena enumerar:
1) baixando os juros, porque a inflação está visivelmente em queda e não haverá crescimento razoável de produção e de emprego enquanto as taxas reais estiverem no nível atual;
2) complementando as reformas tributária e da Previdência;
3) reduzindo impostos para atividades específicas a fim de estimular o emprego, como no caso da Cofins para alguns setores, tal qual prometeu o ministro Antonio Palocci Filho;
4) iniciando a discussão da reforma trabalhista no Congresso, para mudar legislações que tolhem a competitividade da empresa brasileira e colaboram para reduzir a oferta de emprego formal;
5) aprovando a lei sobre PPPs (Parcerias Público-Privadas), que podem ajudar a impulsionar investimentos em infra-estrutura;
6) votando e aprovando a nova Lei de Falências, vital para ajudar a reduzir "spreads" bancários e custos financeiros das empresas;
7) discutindo a necessária reforma política.
Em horas como esta, pessoas responsáveis têm a obrigação de deixar de lado diferenças ideológicas e tentações de ganhos políticos para tomar uma atitude pró-Brasil. Se as denúncias não forem comprovadas, ótimo. Se forem, que os culpados sejam punidos na forma da lei. Independentemente de pessoas, temos de estar preparados para que o país não se desvie do caminho traçado, que é o da estabilidade, do crescimento econômico, da criação de empregos e do bem-estar dos brasileiros.
Chiliques, impropérios, exageros retóricos e maledicências, venham de que lado vierem, não ajudam em nada. Maturidade e serenidade, estas, sim, são virtudes necessárias na vida normal e indispensáveis em momentos como este.
Bom fim de Carnaval a todos.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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