São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2006

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NA MIRA DO LEÃO

Consumidores de SP que gastaram acima da renda declarada serão intimados a dar explicação e multados

Receita intima 2.000 por gasto no cartão

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A partir de informações das operadoras de cartões de crédito, a Receita Federal encontrou pelo menos 2.000 contribuintes (pessoas físicas) que, juntos, gastaram R$ 400 milhões em 2004, mas informaram em suas declarações de Imposto de Renda terem rendimentos de R$ 70 milhões. Eles serão intimados a partir de hoje para se explicar ao fisco.
Os 2.000 contribuintes, só do município de São Paulo, deixaram de declarar rendimentos de ao menos R$ 330 milhões, segundo o fisco. Esse dinheiro deixou de ser tributado, segundo a Delegacia de Fiscalização da Receita Federal de São Paulo.
Entre os consumidores identificados no levantamento do fisco estão profissionais liberais e empresários que gastaram o dinheiro em lojas de luxo de São Paulo, segundo a Folha apurou. A média de gastos daria R$ 200 mil por contribuinte.
Para obter as informações, a Receita Federal se baseou no artigo 5º da lei complementar 105, de 2001, e na instrução normativa nº 341, de 2003. Essa lei obriga as operadoras de cartões a informar a movimentação mensal dos consumidores que gastam acima de R$ 5.000 em compras feitas por operadora de cartão. Se o consumidor gastar R$ 4.999,99 em dez cartões de crédito diferentes, escapa do cruzamento de dados do fisco com os das operadoras, segundo admitem auditores da Receita.
"Quem possui apenas um cartão de crédito e gasta acima de R$ 5.000 tem suas informações entregues ao fisco. Quem tem mais de um cartão e gasta R$ 40 mil [divididos em vários cartões, sem ultrapassar os R$ 5 mil por mês em um único cartão] não cai na malha fina. Os consumidores têm, nesse caso, tratamento diferenciado. Isso fere o princípio da isonomia, que é uma garantia constitucional", diz o advogado João Piza, ex-presidente da OAB-SP.
Os contribuintes que estiverem na lista de devedores do fisco serão convocados pela Receita e terão de pagar o imposto devido -27,5% sobre a renda omitida- mais multa, que pode variar de 50% a 150% sobre o valor do imposto que deixou de ser recolhido.
"Há algum tempo estou ciente dessa lei. Por isso, divido as compras em três cartões", diz a empresária I.B.M., 55, que ontem à tarde fazia compras no shopping Iguatemi. "Acho que a Receita está fazendo esse cruzamento de informações só porque estamos em ano de eleição", afirma a consumidora, que gasta, em média, entre R$ 5.000 e R$ 10.000 por mês em compras com cartão.
A consumidora O., que prefere não se identificar, diz que costuma comprar em dinheiro em vez de usar o cartão de crédito. Ontem à tarde, ela pagou em "cash" cerca de R$ 1.700 por um sapato da loja da Louis Vuitton do shopping Iguatemi. "Acho que enviar esses dados [à Receita Federal] é uma violação [do sigilo fiscal] do consumidor."
Ex-funcionária da própria Receita Federal em Brasília, M., 72, concorda que há violação de direitos. "Não acho correto enviar os dados do cartão de crédito para a Receita, mesmo havendo notificação." M. afirma que acabou de comprar seis passagens aéreas para os Estados Unidos no cartão de crédito e que gastou "bem mais" de R$ 5.000 em uma única operação de um cartão de crédito.
"Só por isso vou entrar na fiscalização da Receita? No meu caso, isso nem é problema. Declaro sempre tudo o que ganho e tudo o que gasto com comprovantes e recibos", diz a ex-servidora.

Legislação estadual
No Estado de São Paulo foi criada a lei 12.294, que entrou em vigor em 6 de março deste ano, que obriga as operadoras de cartões a informar ao fisco estadual o montante de vendas efetuadas pelos estabelecimentos comerciais do Estado por meio de cartão de crédito ou débito. As vendas abaixo de R$ 5.000 poderão não ser informadas.
"Para nós, essa legislação tem valor indiciário e deve entrar em prática assim que forem acertados detalhes técnicos com as operadoras", diz Antonio Carlos de Moura Campos, diretor-adjunto do Deat (Diretoria Executiva da Administração Tributária) da Fazenda paulista.
Ao obter informações da venda por meio de cartão de crédito, é mais fácil verificar se há indícios de sonegação, já que a loja tem de informar mensalmente seu faturamento e, com base nesse valor, pagar o ICMS. Em 2005, a Receita autuou quase 900 contribuintes do país por meio de informações de administradoras de cartão. As infrações totalizaram R$ 240 milhões.


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