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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Lula e a dialética
No Brasil, o grande
desafio continua a ser o
binômio taxa de câmbio
apreciada-taxa de juros alta
RICARDO MUSSE , escrevendo
para o Mais! (16.3.08), fez
um bom exercício de dialética: "A implementação radical do
receituário neoliberal na América
Latina, ao destruir um Estado que
subsidiava apenas as empresas e a
camada mais abastada da população, possibilitou a emergência de
governos com coloração mais à esquerda que tendem a ampliar a cobertura social dos despossuídos".
De fato, a submissão da América
Latina à hegemonia neoliberal durante os anos 1990 e seu inevitável
fracasso tiveram como contrapartida a eleição de governos mais à
esquerda. Isso não significa que estejam sendo bem-sucedidos. Os
governantes de países mais pobres,
com sociedades civis mais heterogêneas e menos democráticas, como é o caso de Morales, Correa,
Ortega e também Chávez, enfrentam maior dificuldade em governar. E têm contra si o pensamento
conservador hegemônico que não
lhes perdoa ousarem enfrentá-lo.
A Argentina também é criticada,
embora seus acertos sejam claramente maiores do que seus erros.
Apenas o governo de Lula é bem-aceito. Isso não significa, porém,
que o Brasil esteja se curvando à
ortodoxia convencional. Pelo contrário, há sinais da formulação de
uma política nacional.
No Brasil, o grande desafio continua a ser o binômio taxa de câmbio
apreciada-taxa de juros alta. O presidente Lula não tem contra esse
binômio estratégia alternativa,
mas, a seu modo, vem revelando
capacidade de enfrentar a questão.
A decisão do governo de agir com
mais determinação sobre a taxa de
câmbio ilustra bem esse fato. Ela se
seguiu a uma reunião no Planalto
da qual participaram Antonio Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo.
Ficou então claro para o presidente que, a continuar o processo de
apreciação do real, ele arrisca entregar a seu sucessor uma crise de
balanço de pagamentos semelhante à de 2002. Nada mais verdadeiro. O preço das commodities continua beneficiando o país no curto
prazo, mas o Brasil já está passando para a condição de deficitário
em sua conta corrente, e nada garante a bonança das commodities.
Por outro lado, suas reservas são
frágeis, já que dois terços delas derivam de compras de dólares que
entraram no país como capitais especulativos. São recursos que, a
qualquer momento, podem sair do
país, bastando que haja perda de
confiança dos aplicadores externos. Ora, não há nada que lhes cause mais insegurança do que ver um
país incorrer em déficits em conta
corrente crescentes.
Os bons resultados recentes da
economia brasileira não derivam
apenas da conjuntura internacional favorável; decorrem também
da política de ampliação da "cobertura social dos despossuídos" a que
se refere Musse. Nesse caso, existe
uma estratégia clara de distribuição coerente com os compromissos do governo. Já na política econômica, a preocupação central do
presidente Lula tem sido a estabilidade. Por isso, aceitou inicialmente uma política de juros elevados.
Era a inflação que ele temia. Quando percebeu que essa ameaça estava afastada, demandou juros mais
baixos. Agora, como os juros não
baixaram suficientemente, e o país
continua a ser inundado de dólares, deu-se conta de quão desestabilizadora é a apreciação do câmbio. Por isso, solicitou medidas de
correção de rota. Essas são modestas, mas, como o ministro Guido
Mantega tem sugerido, abrem o caminho para uma política macroeconômica nacional.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 73, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
@ - lcbresser@uol.com.br
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