São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2008

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Lula e a dialética

No Brasil, o grande desafio continua a ser o binômio taxa de câmbio apreciada-taxa de juros alta

RICARDO MUSSE , escrevendo para o Mais! (16.3.08), fez um bom exercício de dialética: "A implementação radical do receituário neoliberal na América Latina, ao destruir um Estado que subsidiava apenas as empresas e a camada mais abastada da população, possibilitou a emergência de governos com coloração mais à esquerda que tendem a ampliar a cobertura social dos despossuídos".
De fato, a submissão da América Latina à hegemonia neoliberal durante os anos 1990 e seu inevitável fracasso tiveram como contrapartida a eleição de governos mais à esquerda. Isso não significa que estejam sendo bem-sucedidos. Os governantes de países mais pobres, com sociedades civis mais heterogêneas e menos democráticas, como é o caso de Morales, Correa, Ortega e também Chávez, enfrentam maior dificuldade em governar. E têm contra si o pensamento conservador hegemônico que não lhes perdoa ousarem enfrentá-lo.
A Argentina também é criticada, embora seus acertos sejam claramente maiores do que seus erros. Apenas o governo de Lula é bem-aceito. Isso não significa, porém, que o Brasil esteja se curvando à ortodoxia convencional. Pelo contrário, há sinais da formulação de uma política nacional.
No Brasil, o grande desafio continua a ser o binômio taxa de câmbio apreciada-taxa de juros alta. O presidente Lula não tem contra esse binômio estratégia alternativa, mas, a seu modo, vem revelando capacidade de enfrentar a questão.
A decisão do governo de agir com mais determinação sobre a taxa de câmbio ilustra bem esse fato. Ela se seguiu a uma reunião no Planalto da qual participaram Antonio Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo.
Ficou então claro para o presidente que, a continuar o processo de apreciação do real, ele arrisca entregar a seu sucessor uma crise de balanço de pagamentos semelhante à de 2002. Nada mais verdadeiro. O preço das commodities continua beneficiando o país no curto prazo, mas o Brasil já está passando para a condição de deficitário em sua conta corrente, e nada garante a bonança das commodities.
Por outro lado, suas reservas são frágeis, já que dois terços delas derivam de compras de dólares que entraram no país como capitais especulativos. São recursos que, a qualquer momento, podem sair do país, bastando que haja perda de confiança dos aplicadores externos. Ora, não há nada que lhes cause mais insegurança do que ver um país incorrer em déficits em conta corrente crescentes.
Os bons resultados recentes da economia brasileira não derivam apenas da conjuntura internacional favorável; decorrem também da política de ampliação da "cobertura social dos despossuídos" a que se refere Musse. Nesse caso, existe uma estratégia clara de distribuição coerente com os compromissos do governo. Já na política econômica, a preocupação central do presidente Lula tem sido a estabilidade. Por isso, aceitou inicialmente uma política de juros elevados.
Era a inflação que ele temia. Quando percebeu que essa ameaça estava afastada, demandou juros mais baixos. Agora, como os juros não baixaram suficientemente, e o país continua a ser inundado de dólares, deu-se conta de quão desestabilizadora é a apreciação do câmbio. Por isso, solicitou medidas de correção de rota. Essas são modestas, mas, como o ministro Guido Mantega tem sugerido, abrem o caminho para uma política macroeconômica nacional.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br

@ - lcbresser@uol.com.br


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