São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

O desafio de Alckmin

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Geraldo alckmin está diante do grande desafio político de sua vida. Tem cinco meses para vencer Lula e Garotinho ou para chegar ao segundo turno bem posicionado. Eu diria, entretanto, que o momento crucial de sua campanha serão os próximos dois meses, porque será nesse período que ele terá que consolidar sua visão do Brasil e, portanto, as grandes linhas de sua proposta de governo.
Há muita gente que duvida de suas possibilidades. Diante da última pesquisa do Datafolha, vários agentes no mercado financeiro zeraram sua posição comprada em dólar prevendo Garotinho no segundo turno. Tenho, entretanto, duas razões para acreditar que o vitorioso nessas eleições será Alckmin. Primeiro porque eu o conheço bastante bem, há muitos anos, e tenho dele a melhor das impressões como político. Não foi por acaso que o grande estadista que foi Mário Covas o escolheu para seu companheiro. Alckmin é um homem inteligente, equilibrado e firme. Exerce liderança de forma natural sobre os que o rodeiam, sempre de forma modesta, sem sombra de arrogância. E se pauta pela ética da responsabilidade, como é próprio dos melhores políticos. Revelou-se em São Paulo um notável administrador público. Não há razão para que não possa repetir o feito a nível nacional.
Segundo, tenho uma visão do povo brasileiro que é incompatível com a reeleição de Lula. Sei que as pesquisas estão desmentindo o que afirmo, mas seu governo foi tão ruim, e está de tal forma desmoralizado, tanto no plano moral quanto das reformas e realizações, que me custa acreditar na sua viabilidade. Se seu primeiro governo foi tão desastroso e vazio, imagine o que poderia ser um segundo.
Entretanto, para ganhar uma eleição nacional, não basta criticar o adversário. É preciso ter uma idéia e um projeto de Brasil que conquistem o centro do eleitorado e, assim, identifiquem-se com a nação. O próprio povo não sabe qual é essa idéia e por certo não tem condições de pensar em um projeto, mas tem intuições que estão sempre em movimento.
Como as elites, o povo é vítima das ideologias hegemônicas, que, desde o final dos anos 80, foram neoliberais e globalistas no Brasil. Mas os povos na América Latina já se deram conta do grande fracasso dessas propostas vindas do Norte em promover o desenvolvimento econômico e social do Sul. Apenas os países da Ásia que não as aceitaram -que não aceitaram crescer com poupança externa se endividando, que não perderam o controle de sua taxa de câmbio e que mantêm os juros baixos- se desenvolveram. É claro que esses países também mantêm rígida disciplina fiscal e controle da inflação.
O eleitor médio não entende de política econômica, mas suas intuições são importantes. E elas estão mudando. O ciclo neoliberal e globalista está terminando em todo o mundo, inclusive no Brasil. A eleição de Lula em 2002 já foi um sinal, mas depois ele traiu seus compromissos, e seu governo é um arremedo neoliberal. O cientista político Rogério Schmitt publicou no "Valor" (13/4) um artigo no qual diz que os brasileiros continuam a apoiar a ortodoxia convencional, mas os dados que apresentou mostram o contrário. Dado o tipo de pergunta, que leva o respondente a confundir responsabilidade fiscal e dureza contra a inflação com essa ortodoxia, a maioria ainda considera a política econômica adequada, mas essa maioria está diminuindo. E, diante da pergunta feita pelo Ibope se o novo governo deve fazer mudanças profundas, dar continuidade ou fazer ajustes na atual política, 54% foram a favor de mudanças profundas.
Nos próximos dois meses, Alckmin deverá pensar muito. Ele já vem fazendo consultas, e alguns dos seus interlocutores são excelentes. Mas a grande e simples síntese, não de um economista, ou de um sociólogo, ou de um cientista político, mas de um político que legitimamente aspira à Presidência, será ele que terá que realizar.
Os brasileiros, nas duas últimas décadas, colocaram como suas prioridades primeiro a democracia e a educação, depois o fim da alta inflação; agora, que conseguiram a democracia e o controle da inflação, somaram à educação a busca da nação e do desenvolvimento. Nada mais compatível. Compreenderam ou estão compreendendo que na era global os Estados-nação competem economicamente e querem que o Brasil tenha uma estratégia nacional de desenvolvimento ou de competição. Ganhará as eleições o candidato que for capaz de expressar essa intuição, esses sentimentos.
É possível que nenhum dos candidatos tenha uma visão. Lula já a teve, mas a perdeu. Existem neste momento um vazio e uma oportunidade para um candidato tão bem equipado como é Alckmin. As eleições presidenciais de 2006 se travam em um quadro de crise moral sem precedentes no seio da política brasileira. Esse é um grande trunfo de Alckmin, como é o governo que realizou em São Paulo, mas os eleitores querem o futuro e a esperança: é nisso que ele precisará concentrar suas energias.


Luiz Carlos Bresser-Pereira, 71, professor da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Desenvolvimento e Crise no Brasil: 1930-2002".
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail - lcbresser@uol.com.br


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