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OPINIÃO ECONÔMICA
Os avanços sociais do Brasil
VINOD THOMAS
A experiência nos ensina
que não há soluções mágicas
ou atalhos no caminho do desenvolvimento socioeconômico. É
preciso tempo e paciência para
constatarmos resultados. Dito isso, quando o Brasil, segundo
maior país em desenvolvimento
-a China tem o maior PIB-,
obtém a maior taxa de avanço social da última década, é importante registrar e celebrar esse fato.
O Censo Demográfico Brasileiro de 2000, recentemente divulgado pelo IBGE, mostra que a mortalidade infantil caiu de 47,8 por
mil em 1991 para 29,6 por mil em
2000. Ao mesmo tempo, a percentagem de crianças de 7 a 14 anos
matriculadas no ensino fundamental cresceu de 80,5% para
96,5% no mesmo período. Na região Nordeste, onde a renda média nominal representa apenas
30% da equivalente no Sudeste, as
melhorias são ainda mais dramáticas: a mortalidade infantil caiu
de 72,9 por mil para 44,2 por mil e
as matrículas cresceram de 75%
para 91%.
O impacto de boas políticas públicas sobre as taxas de mortalidade infantil e de matrículas é mais
rápido do que sobre outros indicadores, como expectativa de vida
e alfabetização, mas também houve melhorias nessas áreas: a taxa
de analfabetismo no Brasil caiu de
19,1% para 13,3% da população e
a expectativa de vida ao nascer
aumentou de 65,6 para 68,1 anos
durante a última década. Novamente o Nordeste exibe as melhoras proporcionalmente mais significativas, com a taxa de analfabetismo passando de 35,4% para
18,4% da população e o aumento
da expectativa de vida de 63 para
66,5 anos.
A redução de quase 20 pontos
percentuais na mortalidade infantil em uma década insere-se
entre os melhores desempenhos
já alcançados por qualquer país
do mundo. Malásia e Cuba -países muito menores do que o Brasil- tiveram taxas de melhoria
semelhantes. Egito, Equador e Peru também progrediram rapidamente, mas partindo de situações
muito piores. Os ganhos iniciais
na redução da mortalidade infantil (de 100 para 80 mortes por mil)
são mais facilmente obtidos do
que ganhos subsequentes (de 40
para 20 mortes por mil, por exemplo).
A redução da mortalidade infantil e a educação universal são
duas das principais "Metas de Desenvolvimento do Milênio", definidas pela comunidade internacional, que também visam a erradicação da pobreza extrema e da
fome até 2015. O que está por trás
do progresso do Brasil com relação a essas metas?
Primeiro, o crescimento econômico poderia ser apontado como
um desses fatores. Mas no Brasil o
crescimento foi modesto, em torno de 1,3% em termos per capita
na última década. Durante esse
período, países de renda semelhante (de renda média para alta)
cresceram a uma taxa duas vezes
maior. Países de renda alta e média cresceram a 1,7% e 2,3% ao
ano, respectivamente. Portanto o
crescimento econômico não poder ter sido um fator importante
para o progresso social exibido
pelo Brasil.
Segundo, a absorção de tecnologia, resultante da abertura do país
para o resto do mundo, poderia
ser outro fator impulsionador das
melhorias em saúde e educação.
No entanto, dado que o grau de
abertura do Brasil não é particularmente maior que o de outros
países, o progresso tecnológico
mundial também não parece ser
um fator que explique essas melhorias. Para 2000, o grau de abertura do país -medido pela razão
da soma de exportações e importações sobre o PIB- atingiu 23%,
enquanto países de renda similar
exibiram um grau de apertura de
56%.
Terceiro, políticas sociais, especialmente gastos públicos em saúde e educação, poderiam ter tido
um impacto positivo. Mesmo
com o rigoroso ajuste fiscal dos
últimos anos, os gastos em saúde
e educação parecem ter sido protegidos dessa contração das contas públicas. Ainda mais importante, nos anos 90 foram implementadas alterações na política
social que podem ser identificadas como as maiores responsáveis pelo progresso social descrito
acima.
Tais alterações seguiram três
orientações básicas. A universalização dos serviços de saúde e educação básicas; a implementação
de programas mais bem focalizados, com uma melhor seleção de
beneficiários; e a descentralização, que determinou uma maior
participação dos governos estaduais e municipais nas despesas
sociais e das comunidades locais.
O Fundescola (Fundo de Fortalecimento da Escola), o Programa
Bolsa-Escola, o Fundef (Fundo do
Ensino Fundamental), o PAC
(Programa de Agentes Comunitários), o PSF (Programa de Saúde da Família) e o PAB (Programa
de Atendimento Básico) são
exemplos de programas altamente focalizados, com recursos financiados pelo governo federal,
mas executados pelos governos
estaduais e municipais.
O Brasil ainda enfrenta grandes
desafios sociais. O aumento da
cobertura da educação secundária é o primeiro nessa lista de
prioridades. Da mesma forma, a
necessidade de melhorar a qualidade da educação básica e do
atendimento de saúde continua
sendo importante desafio. Diminuir o déficit habitacional, especialmente por meio de programas
de financiamento dirigidos para
as parcelas mais pobres da população, constitui outro desafio
igualmente importante. Além de
melhorar o bem-estar da população, a expansão dos programas de
saúde preventiva e de saneamento básico terá efeitos positivos na
diminuição das despesas com
atendimento médico e, dado que
as restrições fiscais continuaram
limitando a expansão dos gastos
sociais, esse tipo de gasto deve ser
priorizado.
Mesmo assim, permanece o fato
de que o Brasil foi capaz de melhorar drasticamente a educação
básica e a saúde por meio de boas
políticas, não obstante as taxas reduzidas de crescimento e o ajuste
fiscal. Essa experiência fornece lições importantes para atingir um
progresso rápido no bem-estar
básico da sociedade.
Vinod Thomas é diretor do Banco Mundial para o Brasil.
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