São Paulo, terça-feira, 24 de junho de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Atitudes xenófobas


A livre circulação de pessoas, produtos e idéias é um objetivo a ser perseguido no atual ambiente de globalização

FOI UMA coincidência constrangedora. Na quarta-feira da semana passada, no mesmo dia em que Brasil e Japão comemoraram cem anos da imigração japonesa, a União Européia aprovou uma lei que estabeleceu normas severas contra a entrada de imigrantes em 27 países da Europa.
A coincidência é constrangedora -para os europeus, naturalmente- porque as comemorações dos cem anos da chegada do navio Kasato Maru, que trouxe os primeiros japoneses ao Brasil, em 1908, expõem um caso exemplar de integração entre povos, apesar de suas diferenças culturais.
No início do século passado, o Brasil precisava de mão-de-obra e tecnologia para desenvolver sua agricultura, enquanto as cidades japonesas estavam superpovoadas -a falta de espaço e recursos punha os japoneses sob ameaça da fome.
Depois da chegada das primeiras 165 famílias, a entrada de japoneses não parou mais até o início da Segunda Guerra Mundial. Até 1940, cerca de 170 mil japoneses chegaram ao país, a maior parte para trabalhar em cafezais paulistas. Hoje, o Brasil abriga o maior contingente de japoneses e seus descendentes fora do Japão, cerca de 1,5 milhão de pessoas.
No cenário mundial, a situação mudou. O Japão é hoje um país desenvolvido, com enorme capacidade de absorver mão-de-obra e, de certa forma, já retribuiu a gentileza feita pelo Brasil há um século -350 mil nipo-brasileiros trabalham hoje no Japão.
Além dos japoneses, no fim do século 19 e no século 20 o Brasil acolheu milhões de europeus que fugiam da fome -russos, italianos, espanhóis, portugueses, alemães e outros. Um século se passou e hoje os europeus, enriquecidos, enfrentam problemas de redução de população. Na Alemanha, o índice de natalidade é um dos mais baixos do mundo, de 1,4 filho por mulher, quando o necessário para manter a população estável seriam 2,1 filhos. Os índices também são bem inferiores a 2,1 na Espanha, na Itália, na França e em outros países.
Apesar dessa deficiência populacional, o Velho Mundo adota medidas restritivas contra imigrantes. A lei aprovada pela UE na semana passada prevê a reclusão de imigrantes ilegais por até 18 meses antes da deportação. A França chegou a propor que a UE estabelecesse contratos de integração que obrigassem os recém-chegados a aprender a língua local. O governo Silvio Berlusconi, na Itália, propôs punição de quatro anos de reclusão para imigrantes ilegais. Sugeriu também o confisco de imóveis alugados para essas pessoas. Diante das críticas, Berlusconi recuou da proposta.
Não foi fácil a integração de japoneses, europeus e outros imigrantes na sociedade brasileira. Eles trabalharam arduamente, mas encontraram tolerância, liberdade religiosa e oportunidades para colaborar de forma decisiva para o desenvolvimento da economia do país.
É compreensível que a União Européia tenha preocupações com a permanência ilegal de estrangeiros, especialmente por conta das ameaças absurdas do terrorismo e das drogas. Mas também não se pode aceitar que turistas e estudantes brasileiros sejam discriminados, como foram na Europa.
O Ministério das Relações Exteriores deve reagir com firmeza contra essas atitudes, como tem feito. A livre circulação de pessoas, produtos e idéias é um objetivo a ser perseguido no atual ambiente de globalização. Ainda que a busca contínua da segurança e do equilíbrio econômico dos países exija cuidados, não se pode permitir que isso vire pretexto para atitudes xenófobas.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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