São Paulo, terça-feira, 24 de junho de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Êta, ferro


Chineses aceitam aumento de 96% para o ferro. Como fica a tese da especulação com o preço de commodities?

OS CHINESES aceitaram reajustes de até 96,5% para o minério de ferro que compram da Rio Tinto. A empresa anglo-australiana chegou a esnobar as siderúrgicas chinesas. Caso o reajuste fosse recusado, a mineradora ameaçava interromper o fornecimento do produto e vender o excedente no mercado "à vista" ("spot").
Há muita cascata e bravata nessas histórias de negócios, mas a Rio Tinto não parecia blefar. Chegou a soltar avisos prévios de que cancelaria o fretamento de navios de transporte. O preço do frete caiu na região.
E o que nos importa que as siderúrgicas chinesas e a mineradora anglo-australiana quase tenham chegado às vias de fato?
Em primeiro lugar, os chineses aceitam pagar o dobro pelo ferro apenas porque não podem trazê-lo da Lua: porque falta ferro. Os preços não foram, eles, sim, à Lua devido a especuladores que manipulam o mercado de futuros, pois não há Bolsa de ferro ou coisa parecida. Nem as mineradoras "guardam" minério no chão, para levar o argumento ao absurdo, pois tal tese é um disparate logístico, industrial e empresarial.
Em segundo lugar, o caso interessa porque "quem casa quer casa". Ou seja, quem compra ferro caríssimo vai comprar também muito carvão, outros combustíveis, outros insumos metálicos e, enfim, tudo mais necessário para dar utilidade ao ferro, desculpem a obviedade. Reajuste de quase 100% para o minério é um sinal de que a China não pretende tomar uma dose muito forte, se alguma, de um moderador de apetite por recursos naturais ou outros.
Se a China ainda continua em marcha acelerada, é porque também acredita que boa parte do resto do mundo não deixará a peteca cair, pois o país é um dos líderes do comércio mundial. Restariam as hipóteses de que a China valorizaria a sua moeda (passando a crescer "para dentro", poupando e exportando menos) ou de que o país estaria à beira de uma crise de excesso de capacidade produtiva. Quem acredita nas alternativas faça as suas apostas.
Ficou evidente que quase todo o planeta está crescendo menos. Mas "menos" não significa "nada". Continua a haver demanda extra para oferta limitada (não se sabe bem se "cada vez mais limitada" ou "ainda limitada"). Isso inclui o petróleo, objeto de polêmicas estrambóticas sobre especulação e manipulação mesmo nas altas esferas dos EUA.
É argumentável que o preço do barril extrapolou a órbita netuniana da maioria das outras commodities desde meados do ano passado; que parece ter havido um "overshooting" ("exagero", digamos) nas cotações. Mas foi também a partir de meados de 2007 que os americanos jogaram o dólar no lixo e encaminharam suas taxas de juros para o vermelho (ficaram negativas, abaixo da inflação). Devido à "correção monetária", digamos, o petróleo ficou ainda mais caro em dólares, tornou-se ainda seguro contra a inflação. De resto, o banco central dos EUA sinalizou que não deixaria o país não entrar em colapso recessivo, dando um pouco mais de sustentação para os preços no mercado mundial.
Sobre tal base, ficou mais atraente apostar na alta do barril, decerto.
Mas o ferro chinês e os juros americanos forneceram bons fundamentos para sustentar a brincadeira.

vinit@uol.com.br


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