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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Além dos números tradicionais
O aumento no volume de crédito ao setor privado mostra o extraordinário dinamismo da economia
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OS ANALISTAS contam com dados semanais para acompanhar a dinâmica da economia brasileira. O Brasil é o país das
estatísticas econômicas. Em minhas
conversas, sempre dou o exemplo
das informações sobre o nosso comércio exterior, disponíveis todas
as segundas-feiras. Nos Estados
Unidos, é preciso esperar dois meses
para ter acesso aos números mensais de importação e de exportação.
Essa abundância de dados é uma herança de épocas passadas, quando
olhávamos para os dados econômicos como quem acompanha os sinais vitais de um paciente preso a
uma UTI sofisticada.
Estou convencido de que informações em excesso atrapalham o
trabalho dos economistas. Afogados
em uma floresta de dados, perdem a
visão geral e não acompanham as
evoluções de prazo mais longo do tecido econômico. Na Quest Investimentos, onde exerço minha profissão com gosto e empenho, procuro
evitar essa armadilha reservando
boa parte do meu tempo para acompanhar os movimentos de mais longo prazo, muitas vezes pouco visíveis. Com essa posição, consigo ler
de forma diferente várias informações a que tenho acesso no dia a dia.
Na semana passada, ao acompanhar o noticiário diário de várias
agências de notícias, deparei-me
com a informação de que o volume
de títulos privados de crédito em circulação no Brasil igualou o de títulos
públicos. Confesso que levei um
choque. Uma das características
marcantes de nosso mercado financeiro sempre foi a insaciável absorção de recursos financeiros pelo governo federal, ficando o setor privado de lado. Os economistas chamam
isso de "crowding out".
Com minha atenção voltada para
essa informação, pedi a Marina Santos, que trabalha comigo, que consolidasse os dados. O resultado foi impressionante. Em dezembro de
2002, o volume de títulos de crédito
de responsabilidade do Tesouro no
mercado brasileiro -sem contar os
emitidos no exterior- era sete vezes
maior do que o emitido por empresas privadas.
Pois em maio deste ano
essa relação tinha caído para 1,14
vez. Essa mesma comparação, usando como medida de crédito privado
o total de crédito bancário mais os
títulos negociados no mercado de
capitais, nos mostra o mesmo comportamento: a relação caiu de 2,1 em
dezembro de 2002 para apenas 0,8
em maio deste ano.
Outra forma de olhar esses números é considerar a taxa de crescimento de cada um. No caso da dívida
pública, tivemos um crescimento
anual de 5% nesse período; já a dívida privada (crédito bancário mais os
papéis emitidos no mercado de capitais) aumentou à taxa de 24% ao
ano, velocidade muito superior à do
crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nominal.
Esses números mostram um fenômeno pouco destacado no debate
de hoje: o tamanho relativo do setor
público reduziu-se de forma importante desde a época das privatizações. O aumento no volume de crédito ao setor privado mostra o extraordinário dinamismo da economia brasileira. A guinada conservadora do governo Lula na economia e
a bonança mundial permitiram ao
setor privado crescer muito mais do
que a área estatal.
Esse fenômeno seria ainda mais
vibrante se o governo tivesse aproveitado esse bom momento para: 1)
exigir do Estado brasileiro um aumento de sua produtividade; e 2) reformar as regras de funcionamento
de setores importantes como estradas, ferrovias e portos.
Mas, pelo menos, deixamos para
trás o aleijão de muitas décadas que
era o governo expulsando o setor
privado dos mercados de crédito.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 66, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo Fernando Henrique Cardoso).
lcmb2@terra.com.br
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