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OPINIÃO ECONÔMICA
Quem ganha com a privatização da Cesp?
JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO
As declarações do secretário de
Energia de que o leilão da Cesp-Paranapanema "será realizado no
dia 28, mesmo sem a cassação da
última liminar, que impede a subdivisão da Cesp em três empresas", dão a medida do desapreço
das autoridades pela racionalidade, pela Justiça e pelas leis.
Na campanha de 1994, nenhum
dos candidatos à Presidência ou a
governos estaduais manifestou-se
claramente pela privatização de
sistemas já existentes, implantados com dinheiro público, por estatais como Vale do Rio Doce, Petrobras, Light, Eletropaulo, Cesp,
Cemig etc. No entanto, já eleitos,
mudaram o discurso e, sob pressões alheias ao interesse público,
passaram a defender a privatização das estatais mais estratégicas e
lucrativas, em favor de grupos influentes, muitos dos quais contribuíram para suas campanhas.
Assim, o governo federal apressou-se em entregar, entre outras,
a Light e a Vale. Ao mesmo tempo, valendo-se de prerrogativas
do Banco Central, forçou os Estados a se desfazer de suas empresas
mais lucrativas. Só no sistema elétrico já foram entregues à exploração estrangeira as mais estratégicas distribuidoras do país: Eletropaulo e Elektro (SP), Light e
Cerj (RJ), partes da Cemig (MG) e
da CEEE (RS). A meta agora é entregar a geração. O primeiro passo foi dado em setembro de 98,
quando o grupo belga Tractebel
arrematou a Gerasul (PR, SC e
MS) em "leilão sem concorrentes", por valor subestimado.
Os fatos mostram que o Brasil
tem perdido muito com as privatizações. Nos últimos cinco anos,
a dívida interna saltou de R$ 60
bilhões para R$ 480 bilhões; o endividamento externo passou de
US$ 120 bilhões a US$ 250 bilhões;
as remessas de lucros, que eram
de US$ 700 milhões, passaram a
sangrar o país em US$ 7 bilhões
por ano; saúde pública, ensino básico e pesquisa científica carecem
de recursos; os índices de desemprego são desumanos, o valor
aquisitivo dos salários amesquinha-se, a concentração de renda é
das mais injustas do planeta, a
violência é assustadora e assim
por diante.
Em São Paulo, a privatização
das distribuidoras de eletricidade
(CPFL, Eletropaulo e Elektro) não
impediu que a dívida pública
crescesse de R$ 25 bilhões, em fins
de 94, para mais de R$ 50 bilhões,
no fim do ano passado. Ainda assim, o governo insiste em privatizar a geração (Cesp e Emae).
Com um patrimônio superior a
US$ 21 bilhões e uma capacidade
instalada de 12,68 mil megawatts,
a Cesp é uma das maiores geradoras do Hemisfério Sul. Em 98, seu
faturamento bruto foi da ordem
de R$ 4,23 bilhões, com um lucro
líquido de R$ 688 milhões. Em futuro próximo, o potencial lucrativo da Cesp deverá superar 50% do
faturamento, pois seu parque gerador é todo hidrelétrico e já está
contabilmente depreciado, o que
permite baixíssimos custos de geração. Observe o leitor que, com a
privatização, os novos proprietários -que decerto estarão associados a grupos estrangeiros-
sangrarão ainda mais as finanças
estaduais, por força de remessas
de lucros que, até o presente, têm
sido reinvestidos em São Paulo.
Lucros que, de resto, subirão astronomicamente, já que o governo não controla as tarifas.
Quanto à parcela a ser privatizada no dia 28 (Cesp-Paranapanema), ela dispõe de uma potência
instalada de 2.306 megawatts, cujo valor de reposição estaria em
torno de US$ 5 bilhões. Mas, inexplicavelmente, o governo deseja
leiloá-la partindo do preço mínimo de R$ 650 milhões. Portanto,
mesmo que se simule um ágio de
100%, o patrimônio público estará sendo entregue por uma ridícula fração de seu real valor.
A racionalidade manda centralizar, sob controle público, a exploração de sistemas hidrelétricos, pois são múltiplos os usos das
bacias hidrográficas. Um governo
responsável não pode permitir
que a operação de usinas elétricas,
visando lucros a curto prazo,
comprometa o abastecimento de
água para as cidades e para a irrigação ou o uso dos rios para a navegação interior. Aliás, por motivos semelhantes, os sistemas hidrelétricos são estatais em qualquer país soberano. Até nos EUA,
onde quase tudo é privado, as hidrelétricas são estatais, sob controle municipal, estadual e até de
entidades federais, como a Tennessee Valley Authority e a Bonneville Power Administration.
Por outro lado, a gestão coordenada de usinas geradoras e sistemas de transmissão permite a
transferência de grandes blocos
de energia entre bacias de diversos regimes hidrológicos, incrementando-se assim, no caso de
São Paulo, em cerca de 20% a
energia garantida, sem construir
novas usinas. É claro que, se a
Cesp for desmembrada e privatizada, perderemos essa vantagem.
Os atuais mandatários foram
eleitos para administrar o patrimônio público em benefício da
sociedade, não para vendê-lo enquanto a população chafurda no
desemprego e na miséria. Para
qualquer cidadão de bom senso,
privatizar a Cesp será um ato tão
irracional e inexplicável que exigirá a instalação de uma CPI na Assembléia Legislativa para investigar o opaco programa de privatizações do governo de São Paulo.
Joaquim Francisco de Carvalho, 63, engenheiro do setor elétrico, é consultor para assuntos de energia. Coordenou o setor industrial do Ministério do Planejamento (governos Castello Branco, Costa e Silva e Médici).
O colunista Aloysio Biondi está em férias
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