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ARTIGO
Os altos executivos e o abuso da coerção
PAUL KRUGMAN
Os elevados salários dos
altos executivos das empresas norte-americanas refletem a
intensa competição entre as companhias pelos maiores talentos.
Opções de ações e outras formas
típicas de remuneração de diretores têm por objetivo oferecer incentivo ao bom desempenho dos
profissionais. Esses incentivos e
comissões alinham o interesse
pessoal dos administradores aos
interesses dos acionistas.
Nada do que está escrito no parágrafo precedente é verdade. Essa é a mensagem de um trabalho
extraordinário veiculado pelo
Serviço Nacional de Pesquisa
Econômica (NBER, na sigla em
inglês), uma organização independente de estudo econômico. O
estudo é leitura obrigatória para
quem quer que esteja tentando
compreender o que realmente
acontece com a economia dos
EUA.
Li esse estudo, "Remuneração
Executiva nos EUA: Contrato Ótimo ou Extração de Rendas?", de
autoria de Lucian Bebchuk, Jesse
Fried e David Walker (das universidades Harvard, Berkeley e Boston, respectivamente), pela primeira vez em dezembro passado.
Foi em grande parte devido à análise que ele oferece que concluí,
bem cedo no jogo, que a Enron seria apenas o primeiro de muitos
escândalos.
Teoria no avesso
O que eles demonstram no estudo é que a teoria oficial da corporação, sob a qual o executivo chefe trabalha a convite de um conselho
que representa os interesses dos
acionistas, está seriamente distorcida. Na prática, os presidentes e
diretores-executivos ("CEOs")
modernos determinam sua remuneração, limitados apenas pelo "limite de indignação" -indignação não de parte do conselho, cujos membros dependem da
boa vontade do diretor-executivo
para muitos dos privilégios de
que desfrutam, mas de parte de
grupos externos capazes de causar problemas. E o verdadeiro
propósito de muitas das características dos pacotes de remuneração de executivos não é oferecer
incentivos, mas sim "camuflagem", ou seja, permitir que os diretores se recompensassem regiamente, mas minimizando a indignação que isso poderia suscitar.
O caso mais óbvio que se pode
apontar é o das opções de ações
(ações oferecidas como comissões). Existe um bom argumento
para defender o vínculo entre a
remuneração de um executivo e o
desempenho dos preços das ações
de sua empresa, mas um verdadeiro esquema de incentivo teria
aspectos que raramente vemos
em prática.
Tiro pela culatra
Por exemplo, o pagamento do
executivo dependeria do desempenho das ações de sua empresa
comparadas a um índice padronizado composto de empresas semelhantes, de modo que o que ele
venha a receber reflita seu desempenho pessoal, e não as condições
gerais do mercado.
Na prática, porém, um diretor-executivo quase sempre recebe
opções de ações ao preço de mercado e ponto final. Se o preço das
ações sobe, ele aproveita os lucros. Se desce, recebe novas opções, a preço mais baixo. A bem
da justiça, existem idiossincrasias
nas leis tributárias que encorajam
essa prática. Mas o principal motivo para que os executivos sejam
pagos dessa forma é que o método lhes oferece uma recompensa
quase certa, a menos que as ações
caiam regularmente. Mais cedo
ou mais tarde, um executivo que
continue a receber opções ao preço corrente ganha muito dinheiro, mas o faz de uma maneira que
camufla as vantagens inerentes do
sistema. A concessão de opções
sequer é contabilizada como despesa empresarial, e a recompensa,
quando vem, pode sempre ser representada como prêmio pelas
realizações.
Camuflagem
Graças às crescentes capacidades de camuflagem das empresas
e também à erosão contínua das
velhas inibições quanto aos excessos aparentes, o salário médio dos
executivos em grandes empresas
disparou para a estratosfera. Ele
era "apenas" 40 vezes superior ao
do trabalhador médio uma geração atrás; hoje, representa 500 salários médios. Isso é muito dinheiro, mas as despesas diretas
não são o problema principal.
Em lugar disso, estamos falando
do fato de que os truques usados
para camuflar pagamentos exorbitantes deram aos executivos
enorme incentivo para elevar os
preços das ações em um momento que lhes permitisse exercer
suas opções com o máximo de
vantagem.
Estamos apenas começando a
ver até que ponto esse sistema de
incentivo distorce o comportamento corporativo. Sabemos agora que algumas empresas estavam
envolvidas em grandiosos programas de aquisição e expansão
que terminaram mal, mas apenas
depois que seus principais executivos lucrassem imensamente.
Mocinhos e bandidos
Sabemos também que as empresas ávidas por atingir ou ultrapassar as expectativas dos analistas se envolveram em práticas de
contabilidade criativa em escala
grandiosa. Nos últimos anos da
"bolha", a maioria das grandes
empresas norte-americanas registrou crescimento de lucros na
casa dos dois dígitos, mas as estatísticas nacionais demonstram
agora que os lucros praticamente
não cresceram.
Não estou alegando que os executivos-chefes fossem vilões deliberados, cofiando bigodes e soltando risinhos malignos diante de
suas canalhices. As pessoas racionalizam muito bem as suas ações
e a grande maioria dos executivos
certamente se manteve dentro
dos limites formais da lei.
Mas o fato é que temos um sistema corporativo que oferece imenso incentivo para o mau comportamento. Eu me surpreenderia
que a admissão de culpa feita por
Michael Kooper, da Enron, seja o
começo do fim. Na melhor das hipóteses, é o fim do começo.
Paul Krugman, economista e professor
na Universidade Princeton (EUA), é colunista do jornal "The New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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