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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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PÁTIO DA INADIMPLÊNCIA
Burocracia, falta de pagamento e disputa judicial criam estoque gigante de automóveis retomados

Bancos viram "depósito" de 100 mil carros

Marlene Bergamo/ Folha Imagem
Pátio com carros tomados pelos bancos que serão leiloados


SANDRA BALBI
LÁSZLÓ VARGA

DA REPORTAGEM LOCAL

A queda da renda dos consumidores, uma disputa judicial e a burocracia deixaram os bancos e financeiras com "pátios" lotados de veículos. São cerca de 100 mil automóveis resgatados de compradores que financiaram a aquisição dos carros, mas não pagaram as prestações por falta de dinheiro. A estimativa é da Febraban (federação dos bancos).
A situação, considerada grave pelos banqueiros, lembra a das montadoras e das distribuidoras de automóveis. Em julho, as montadoras tinham 161,3 mil veículos novos parados nos pátios devido à crise, segundo a Anfavea (associação das montadoras).
O Brasil, portanto, possui hoje cerca de 261,3 mil veículos novos e usados em estoque (equivale a 20% dos automóveis vendidos no país por ano). No caso dos bancos e das financeiras, os veículos parados foram apreendidos por ordem judicial contra os consumidores inadimplentes.
"O número de inadimplência no financiamento de veículos passou dos 2,99% da carteira total em junho de 2002 para 3,54% no mesmo mês de 2003", diz Ricardo Malcon, presidente da Acrefi (associação das financeiras).
Os carros recuperados por bancos e financeiras representam metade do estoque dos veículos que se encontram nos pátios de leiloeiros. Alguns, como o banco Panamericano, guardam parte dos carros em áreas próprias.
O acúmulo de automóveis em poder dos bancos também se deve à burocracia e a complicações judiciais.
Levantamento feito por Roberto Luís Troster, economista-chefe da Febraban, mostra que a Justiça demora em média 271 dias para autorizar o leilão dos veículos apreendidos. Além disso, muitos consumidores contestam judicialmente o pedido de busca e apreensão -ou simplesmente somem com o carro. Nesses casos, a demora é ainda maior.
"Há casos nos quais os automóveis demoram mais de 1.500 dias para serem liberados para a venda depois da apreensão. O roteiro começa com a apreensão do veículo e deriva para caminhos judiciais inacreditáveis", diz Troster.
A Proconsumer, associação de defesa de consumidores, tem 1.200 ações em andamento só em São Paulo. "Só em casos extremos conseguimos impedir a apreensão do veículo", diz Andrea Spinelli Militello, advogada da entidade. "O recurso é a arma do consumidor para não pagar o saldo residual após perder o carro."
Foi o que aconteceu com Maria Cristina Branco, 48, dona de uma locadora de vídeos e de DVDs. Em 1997 ela financiou a compra de um Escort novo. Em 2000, ficou sem dinheiro e suspendeu o pagamento das prestações quando faltavam oito delas. "O banco levou o automóvel e o vendeu em um leilão por R$ 12 mil. Mas afirma que devo ainda cerca de R$ 9.000 pelo valor financiado do veículo." Branco acionou a entidade de proteção ao consumidor Proconsumer, que entrou com uma ação na Justiça.
Dor de cabeça
A situação chegou a um ponto que está colocando em xeque um dos dogmas do setor. Os bancos sempre defenderam a alienação fiduciária -que mantém o bem financiado em nome do credor até a quitação- como forma de reduzir a inadimplência e o "spread" bancário. Agora, o mesmo instrumento jurídico que elogiaram virou uma dor de cabeça para o setor. Como resultado, os bancos movem cada vez menos ações para recuperar carros financiados. "Não há interesse em retomar os carros com pagamentos em atraso. A venda demora a ocorrer e, em geral, os preços obtidos não cobrem o saldo residual do financiamento", diz Adalberto Savioli, diretor de crédito e risco do banco Panamericano.
Os bancos das montadoras foram os primeiros a puxar o freio das ações de busca e apreensão. A Anef (associação dos bancos das montadoras) prevê que o número de carros retomados caia neste ano. Em 2002 foram recuperados 11 mil veículos por aquelas instituições. Neste ano o número não passará de 8.000, diz José Romélio Ribeiro, diretor-executivo da Anef. De janeiro a junho, o total de carros resgatados pelos bancos de montadoras chegou a 3.960.
"O procedimento de apreensão e leilão de veículos gera um custo adicional para os bancos com o pagamento de aluguel de pátios para estocá-los", diz Ribeiro.
Ele afirma que os bancos têm preferido negociar exaustivamente com os clientes para recuperar o crédito. Nessas negociações, o consumidor pode reduzir o valor da dívida, livrar-se de multas e obter taxas de juros menores.
Para os bancos, essa pode ser uma solução melhor do que esperar que a Justiça libere o carro para venda. "Em média, os carros apreendidos por bancos e financeiras são vendidos a um preço 20% abaixo da tabela do mercado. Há casos em que a diferença é de 50%", diz Ronaldo Milan, leiloeiro oficial da Milan Leilões.

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