UOL


São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

A retomada do crescimento

ALOIZIO MERCADANTE

O governo do presidente Lula assumiu a direção do país em uma conjuntura extremamente complexa e difícil devido ao agravamento dos desequilíbrios estruturais que, acumulados nas áreas externa e fiscal ao longo dos últimos anos, foram levados a níveis extremos pela crise cambial, deflagrada a partir de abril de 2002, e às incertezas do período eleitoral.
Esse legado do governo anterior reduziu fortemente as opções de política e o raio de manobra da nova administração. Como ensina a experiência, não há saída fácil para crises dessa natureza e magnitude. Foi necessário adotar, com grandes sacrifícios para a população, medidas duras direcionadas a reverter a crise cambial, a controlar a inflação, a reorganizar as finanças públicas e a restaurar a credibilidade externa do país.
Apesar das fragilidades ainda existentes, os avanços realizados são notáveis: a cotação do dólar caiu acentuadamente, estabilizando-se em torno de R$ 3; o risco-país despencou de 2.400 para menos de 800 pontos; restabeleceram-se os fluxos de financiamento externo às empresas -o coeficiente de rolagem das dívidas, que tinha caído abaixo de 20% ao final de 2002, nos últimos meses tem sido superior a 100%; o país voltou a colocar títulos soberanos, alongando o perfil da dívida externa; o déficit nas transações correntes caiu do patamar de US$ 17 bilhões para um saldo positivo de US$ 1,3 bilhão nos últimos 12 meses, mercê do aumento recorde do saldo da balança comercial propiciado pelo crescimento de 24% das exportações nos sete primeiros meses de 2003; a dívida pública líquida caiu de 62,2% em outubro de 2002 para 55,4% do PIB em junho passado; e a inflação, que havia superado a casa dos 30% ao final de 2002, mostra queda consistente em todos os seus índices, com taxas inferiores a 7% nas projeções para 12 meses.
O controle das variáveis críticas -a taxa de inflação e o coeficiente de rolagem da dívida externa- permitiu três reduções consecutivas da taxa básica de juros, a última das quais de 2,5 pontos percentuais, a maior desde 1999, apontando o início de uma nova política econômica, voltada para a reativação da economia e para a expansão do emprego. Além dos programas sociais inovadores e das políticas implementadas em outras esferas -como a renegociação das dívidas dos assentados da reforma agrária e dos produtores familiares, que beneficiou mais de 825 famílias, a disponibilização de R$ 5,4 bilhões para o financiamento da agricultura familiar, a expansão de 26% no crédito para a agricultura comercial-, isso envolve ações, várias das quais já em execução, em vários planos interligados.
O primeiro deles é o barateamento e a ampliação do crédito à produção e ao consumo não só pela redução dos juros básicos e do "spread" bancário como mediante um conjunto de outros mecanismos, como o microcrédito, a criação de linhas de financiamento para os aposentados a taxas reduzidas, o estímulo à formação de cooperativas de crédito e a abertura de linhas especiais no BNDES para as pequenas e médias empresas.
Um segundo plano de atuação é a desoneração, temporária e condicionada à sustentação do emprego, e o seu repasse para os preços dos produtos de setores com alto grau de complexidade e integração na cadeia produtiva, como a indústria automobilística, e das linhas de produção de bens populares de consumo de massa -eletrodomésticos, móveis e material de construção etc.
Igualmente importante é a gestão da política cambial com vistas à preservação da competitividade da produção nacional e a consolidação da trajetória de expansão das exportações, essenciais para a redução da vulnerabilidade externa e para a estabilização da economia a médio prazo. O país conseguiu acelerar notavelmente suas exportações em 2003 em um cenário internacional marcado pela retração econômica, o que é indicativo da magnitude do esforço que vem sendo realizado. Sua continuidade, no entanto, poderia ser ameaçada por uma valorização excessiva do real.
Por último, o crescimento sustentável da economia brasileira, em condições de permitir o equacionamento dos seus graves problemas sociais, depende essencialmente da retomada do processo de investimento, de modo a sair dos baixos níveis atuais, da ordem de 14% do PIB (a preços de 1980), para patamares de, pelo menos, 20%. Os projetos estruturantes incluídos no PPA e na programação do BNDES, o programa de parceria com o setor privado e as ações de coordenação de investimentos à escala regional (Mercosul e Grupo Andino, por exemplo) são peças essenciais para avançar em direção a esse objetivo. Mas existem outros fatores relevantes que podem limitar ou alavancar esse esforço. Um deles é a eventual renovação do acordo com o FMI.
O Brasil deu, ao longo de 2003, uma demonstração de capacidade e responsabilidade na gestão de uma situação de extrema dificuldade. Superada a crise, o país tem todas as condições para se transformar em um caso exemplar para os países em desenvolvimento. O momento é, portanto, oportuno para que o FMI, que vem de uma experiência de fracassos recorrentes na aplicação de políticas restritivas do crescimento, possa, através de uma parceria com o governo brasileiro, dar uma nova dimensão a sua missão institucional. O Brasil quer mudar e seu êxito pode ser também o êxito do FMI. Mas, para isso, é necessário flexibilizar as condicionalidades que limitam o investimento.
É essencial para o Brasil, dispor de maior flexibilidade em pelo menos quatro aspectos principais: a exclusão dos investimentos das empresas estatais da contabilidade do gasto fiscal, o rebaixamento dos tetos impostos ao sistema público de financiamento para a implementação de programas de infra-estrutura e outras atividades básicas nos Estados e nos municípios, a diminuição das restrições à expansão do crédito interno global e o aumento da capacidade de endividamento dos entes federativos adimplentes.
Esses aspectos são vitais para viabilizar a convergência entre as políticas de preservação da estabilidade e de retomada do crescimento econômico, sem o que não há solução sustentável para os problemas do país.


Aloizio Mercadante, 49, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores e líder do governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@senador.gov.br


Texto Anterior: Opinião econômica: Três alqueires e uma vaca
Próximo Texto: Panorâmica - Integração: Rodovia deverá ligar o Peru ao Brasil
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.